Quarta-feira, 27 de
Novembro de 2024
Direito & Justiça

Organização criminosa

" Se você pudesse matar ele para mim, eu achava uma benção", padre Robson Oliveira

Áudios mostram envolvimento do religioso em um possível esquema de lavagem de dinheiro, organização criminosa e suborno a desembargadores

Foto: Reprodução/Instagram
post
Padre Robson Oliveira Pereira

22 fevereiro, 2021

Trindade (GO) - Novos áudios encontrados no celular do padre Robson de Oliveira, que era investigado por desvio de dinheiro na Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, mostram quando o padre diz a um advogado que a morte de um dirigente da Afipe, envolvido em esquemas de suborno, seria conveniente a ele. Na mensagem, obtida com exclusividade pelo Fantástico, o padre diz: “Se o senhor pudesse matar ele pra mim eu achava uma benção”. Em nota ao Fantástico, a defesa do Padre Robson disse que desconhece o conteúdo das mensagens e que elas são “frutos de montagens e adulterações feitas por pessoas inescrupulosas”. A nota disse ainda que o padre é vítima de extorsão e perseguição. O G1 solicitou um posicionamento à Afipe e aguarda retorno. Padre Robson era investigado na Operação Vendilhões. O processo que investiga as supostas irregularidades está interrompido pela Justiça. O Ministério Público já apresentou recurso no Superior Tribunal de Justiça, mas ele ainda não foi analisado. Os áudios mostram a participação de Padre Robson em um possível esquema de lavagem de dinheiro, organização criminosa e suborno a desembargadores (ouça o podcast abaixo). Conforme a investigação do MP, muitos dos áudios são de reuniões, que o padre costumava gravar secretamente. Segundo os investigadores, todos os áudios exibidos neste domingo (21) passaram por perícia técnica, que comprovou serem mesmo do padre. Os áudios estavam em HDs, computadores e no celular do padre - material que foi apreendido em agosto de 2020, durante a operação do Ministério Público. Segundo o MP, um e-mail trocado entre os dois principais dirigentes da Afipe, Rouane Caroline Martins e Anderson Fernandes, mostraram uma troca de e-mails entre eles, onde Rouane fala à Anderson que eles devem proteger o padre. "Anderson, temos que proteger o padre. Se colocarem as mãos em determinados documentos, vai todo mundo preso", escreveram.

Em uma das reuniões gravadas pelo padre, Anderson pede uma parcela do dinheiro desviado

Padre: Então, você fez uma solicitação na ordem de R$ 4 milhões.
Anderson: Eu coloquei os valores que o senhor havia prometido pra mim, eu perguntei se o senhor poderia acertar alguma coisa comigo daquilo ali, só isso que eu fiz.
padre: Vamos acertar.

Outros áudios obtidos pelo Fantástico mostram que o padre subornava várias pessoas. Entre eles, o marido de Talitta di Martino, que têm um relacionmento amoroso com o padre, conforme os agentes. Por isso, Tyrone di Martino, o marido dela, teria chantageado o padre. Supostamente, o padre teria pago R$ 350 mil para Tyrone escrever uma biografia dele. Entretanto,um áudio do próprio padre desmente a contratação do serviço.

Padre: "Você acha que eu ia dar R$ 350 mil pra ele por um servicinho daquele de biografia da minha vida? Aquilo foi extorsão, Talitta. Extorsão pura".

Em 2017, outro caso de extorsão envolveu o sacerdote. Padre Robson deu queixa à polícia, na época, por causa de um hacker que invadiu o computador dele e exigiu dinheiro para não divulgar informações. Os policiais prenderam o hacker, mas, de posse do material, teriam passado eles mesmo a extorquir o dinheiro padre. Após isso, este material também teria chegado às mãos de uma jornalista, que contou a história ao marido dela. O marido, identificado como Ubiramar dos Santos, chamado de "Bira", então, decidiu extorquir também o dinheiro padre. Após repassar o caso para a polícia, a investigação ficou a cargo da delegada de Trindade, Renata Vieira da Silva, que foi afastada do carno na última sexta-feira (19/2). Conforme os investigadores, houveram várias trocas de mensagens entre a delegada e o padre. Em uma delas, o padre diz que ele mesmo vai "dar um chega" em Bira.

Padre: "Eu vou tentar usar dos meios que eu conheço pra persuadi-lo a me dizer realmente se o que ele tem é algo interessante. Eu vou levar um policial e uma pessoa armada, pra me proteger. A gente vai fazer isso tudo fora do padrão legal. Nós vamos dar um chega nesse caboclo lá, mas vai ser na base do "faroeste caboclo." Após isso, ele pede ajuda à delegada. "É um caso extremo, né? Se for preciso criar uma história em cima disso aí, você tá junto comigo. Você me libera dessa situação, se acontecer o extremo ali". No dia marcado para o encontro com o Bira, o padre também gravou a conversa. Eles terminam o diálogo negociando uma extorsão no valor de R$ 200 mil. Veja a transcrição do áudio:

Padre: O que você tem mesmo sobre mim? Que possa me afetar. Você falou que tem cópias. Tem alguma aí no seu carro?
Bira: Não.
Padre: Porque, assim, se eu não tiver um material palpável, como é que eu vou entender que isso é relevante, entendeu?
Padre: Bira, deixa eu te explicar uma coisa: eu sou um sacerdote.

Após isso, Bira pede R$ 500 mil e o padre faz uma contraproposta

Padre: Você não abaixa esse valor de 500?
Bira: Não.
Padre: Então vamos combinar 200 mil.
Padre: Anota meu telefone aí. Você vai pensar esse valor melhor.

Segundo a investigação, a delegada Renata teria chegado a corrigir um depoimento dado pelo padre à polícia. Em troca, segundo os investigadores, ela ganhou o contrato para venda de fragrância aromatizante na igreja de Trindade. Após o afastamento da delegada, a Delegacia de Polícia Civil de Trindade está sob intervenção. Ao Fantástico, a delegada Renata Vieira disse, em nota, que é amiga do padre desde 2009 e que também presidiu investigação de eventual crime de extorsão, em que o padre era vítima, e que obedeceu as normas da lei. Além disso, o padre Robson também tinha envolvimento com alguns desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO). Em um dos casos descobertos, ocorrido em 2019, a Afipe comprou uma fazenda em Goiás, mas foi processada pelo dono após um calote de R$ 15 milhões. Na época, a Afipe perdeu a ação, mas conseguiu reverter a sentença na segunda instância. Segundo a apuração do Fantástico, a vitória na sentença teve um preço, que foi discutido pelo padre durante uma reunião com o dirigente da Afipe Anderson Fernandes, também advogado, e com o advogado Cláudio Pinho.

Advogado: Deixa eu falar um negócio pro senhor. Só pra relembrar. Uma parte de desse valor já não me pertence
Anderson: Ele tá dizendo que pra ganhar lá no Tribunal ele comprou pessoas.
Padre: Qual que é essa parte?
Advogado: O senhor se comprometeu com R$ 750 mil lá. Só pro senhor ter uma noção: dos três desembargadores, R$ 500 mil pra um, e o resto é dividido pra dois.

Ao fantástico, o advogado Cláudio Pinho afirma que o suborno nunca aconteceu e que o áudio investigado é possivelmente uma montagem. Já a presidência do TJ-GO afirma que não se pode presumir a ocorrência de irregularidades no julgamento de processos a partir de conversa mantida entre advogado e cliente.

Entenda a operação do MP

Segundo o Ministério Público de Goiás, crimes como lavagem de dinheiro, apropriação indébita e falsidade ideológica teriam sido cometidos nas "Afipes", associações criadas pelo padre Robson e ligadas à igreja. Conforme os investigadores, o montante suspeito seria de R$ 2 bilhões movimentados em dez anos, incluindo fazendas, um avião e uma casa de praia. Os valores eram desviados das doações feitas por empresas e fiéis. Ao Fantástico, o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, disse que vê motivos para retomar a investigação. Segundo ele, houve obstrução de Justiça, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, e organização criminosa.

Impasse na Justiça

Em outubro, a Justiça tinha determinado que as investigações deveriam ser interrompidas por entender que não estavam presentes no processo os crimes apontados pelos promotores. No entanto, em 4 de dezembro, a decisão do presidente do Tribunal de Justiça de Goiás autorizou a retomada da apuração. Dez dias depois, outra sentença, desta vez dada pelo desembargador do TJ-GO Leobino Chaves Valente, voltou a determinar o bloqueio do mesmo processo. Em 17 de dezembro, uma sentença do Superior Tribunal de Justiça reforçou a decisão do magistrado. O Ministério Público chegou a denunciar o padre ou outras 17 pessoas por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Os promotores de Justiça afirmam que o padre comandava uma organização criminosa e transferia grandes valores para empresas, com o objetivo de utilizar o dinheiro das entidades religiosas criadas por ele como seu, sem prestar contas nem se submeter às regras associativas.