Uma operação da Polícia Civil cumpre nesta terça-feira (17/12) mandados contra o ex- secretário de Saúde de Goiânia Wilson Pollara e outros suspeitos de desviar R$ 10 milhões em recursos públicos. Segundo a polícia, o crime teria sido praticado por meio de uma fraude em um convênio firmado entre a secretaria e uma empresa de prestação de serviços dessa área. A Saúde da capital goiana enfrenta uma crise há quase dois meses, com inúmeros pacientes à espera de UTI e falta de atendimentos em unidades de saúde. Ao todo, a operação "Speedy Cash" cumpre cinco mandados de prisão e 17 de busca e apreensão na capital e em Anápolis. Segundo a TV Anhanguera, até as 8h30, três investigados já tinham sido presos. Além deles, também estão entre os alvos de prisão temporária e de busca e apreensão o ex-secretário municipal de Saúde de Goiânia Wilson Pollara e o ex-secretário-executivo Quesede Ayres Henrique. Ao g1, o advogado Márcio Cunha, que representa Quesede, disse que a defesa se manifestará oportunamente nos autos, tão logo tenha acesso à integra do processo. A reportagem entrou em contato com a defesa de Pollara, com a associação privada e a empresa envolvida para um posicionamento na manhã desta terça-feira, mas não obteve retorno até a última atualização deste texto. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) esclareceu que cumprirá com todas as determinações judiciais e que colabora com o fornecimento de informações e documentos necessários para garantir que os fatos sejam esclarecidos.
Investigação
A polícia detalhou que a investigação apura os crimes de peculato e associação criminosa que teriam sido praticados em um convênio de 2024 feito entre a Secretaria Municipal de Saúde e uma associação privada sem fins lucrativos. Este contrato seria voltado à aquisição de equipamentos para serviços de saúde móvel, palestras e pesquisas sobre acessibilidade e avaliação do microbioma intestinal em pacientes com Doença de Crohn grave submetidos ao transplante não mieloablativo de células-tronco hematopoéticas. A investigação ainda revelou que os R$ 10 milhões que foram transferidos da secretaria para a associação durante o convênio foi gasto muito rapidamente, em apenas 17 dias, entre 20 de agosto e 05 de setembro. Esse gasto teria sido por meio de transferências via PIX, TED e TEV, além de saques em dinheiro. A velocidade do desvio deu origem ao nome Operação Speedy Cash, indicando o uso indevido dos recursos públicos.
Entenda o esquema
Durante a investigação, a polícia identificou que o grupo atuava por meio de dois núcleos criminosos:
intraneus: composto por agentes públicos que teriam agido no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde viabilizando a celebração do convênio e o suposto desvio de R$ 10 milhões de recursos públicos;
extraneus: composto por pessoas vinculadas à associação privada e à empresa envolvidas, que supostamente seriam responsáveis pela apropriação de mais de R$ 9 milhões que foram repassados a partir desse convênio.
De acordo com a polícia, a atuação dos suspeitos dentro da Secretaria de Saúde de Goiânia seguiu a seguinte ordem:
19 de julho de 2024: Quesede exercia o cargo de Secretário Municipal de Saúde de forma interina e, naquela ocasião, recebeu a solicitação do presidente da associação privada para fazer um convênio e a liberação de R$ 10 milhões;
Quesede teria impulsionado o referido processo administrativo de forma totalmente irregular, sem publicidade, cotação de preços, exigência de atestado de capacidade técnica ou observância das orientações expedidas pela Procuradoria-Geral do Município para regularização desse instrumento contratual;
25 de julho: Apenas seis dias depois de iniciar o processo administrativo de contratação, Quesede efetuou ordenação de despesa e emitiu uma nota de empenho no valor R$ 10 milhões em favor da associação privada;
16 de agosto: Após reassumir o cargo de secretário de Saúde, Wilson Pollara assinou o termo de convênio sem seguir as recomendações técnicas exigidas pela Procuradoria do Município quanto a regularização do instrumento contratual.
19 de agosto: Pollara ordenou o pagamento antecipado de R$ 5 milhões à associação privada, ainda que tenha sido fixado que o convênio teria o prazo de vigência de 12 meses. Nesse mesmo dia, a SMS transferiu o valor para a conta da associação privada.
20 de agosto: Foi repassado à associação privada, por ordem de Wilson Modesto Pollara, mais R$ 3,2 milhões;
22 de agosto: Foi repassado mais R$ 1,7 milhão à associação, totalizando os R$ 10 milhões.
Após a transferência, segundo a Polícia Civil, o presidente da associação que recebeu os R$ 10 milhões antecipados teria se apropriado de mais de R$ 2,6 milhões por meio de transferências para uma conta bancária de mesma titularidade da associação, mas que era diferente da que foi criada para a movimentação dos recursos do convênio.
Além disso, a investigação disse que ele teria desviado R$ 6,4 milhões para uma terceira empresa, que supostamente seria fornecedora de materiais hospitalares. A polícia detalhou que, ao receber o valor da associação, a sócia-administradora da empresa teria transferido parte desses valores para sua conta pessoal e iniciado uma sequência de transferência de saques de valores em espécie que ultrapassaram R$ 1 milhão. Ainda não se sabe qual foi o destino final desse dinheiro, de acordo com a operação. No entanto, foi explicado que há indícios de que parte desses valores possam ter retornado aos demais.
Crise na Saúde
O MP-GO ressaltou que paralelo ao suposto esquema na Secretaria, a rede pública de Saúde de Goiânia enfrenta uma crise de assistência hospitalar, com restrição ao acesso a leitos de enfermaria e Unidade de Terapia Intensivas (UTIs). Além do descumprimento pela prefeitura de decisões judiciais. No último mês de novembro, pelo menos cinco pessoas morreram à espera de leitos de UTI em Goiânia. As vítimas são Severino Santos, Katiane Silva, Janaína de Jesus, Luiz Felipe Figueiredo da Silva e João Batista Ferreira. As famílias contaram que procuraram auxílio do MP-GO e da Justiça para conseguir atendimento, mas o serviço de saúde pública não chegou a tempo.
Prisão de secretário
O então secretário de Saúde de Goiânia, Wilson Pollara, foi preso em 27 de novembro deste ano, em uma operação do Ministério Público de Goiás (MP-GO). Segundo os promotores, o secretário executivo, Quesede Ayres Henrique, e o diretor financeiro da Secretária Municipal de Saúde de Goiânia, Bruno Vianna Primo, também foram presos durante o cumprimento de três mandados de prisão temporária e oito de busca e apreensão. A ação investigava pagamentos irregulares em contratos administrativos e supostas associações criminosas na pasta. Sobre a prisão, a defesa de Pollara informou na época que iria se manifestar formalmente após ter acesso ao processo (leia a nota na íntegra ao final do texto). Wilson e os demais investigados foram soltos no último dia 7 de dezembro.
Nota da defesa de Wilson Pollara
A defesa de Wilson Modesto Pollara informa que ainda não obteve acesso aos autos e que, tão logo esteja de posse dos elementos informativos referentes à operação deflagrada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), emitirá um posicionamento formal e fundamentado. Diante do histórico de Pollara, que registra mais de cinco décadas de exercício da medicina e de cargos públicos na área de saúde sem máculas, marcadas por notória contribuição técnica, social e acadêmica, a defesa reafirma seu compromisso com a verdade e com o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal, certa de que a inocência de seu cliente será devidamente reconhecida no curso das apurações.