p/ Fernando Knoblauch
Goiânia (GO) - Há vários anos, o Poder Judiciário Brasileiro vem sendo assolado por um fenômeno conhecido como a "indústria do dano", que nada mais é que a busca incessante e muitas vezes desnecessária de prestação jurisdicional por indivíduos que alegam danos hipotéticos com pedido de indenizações infundadas e inconsequentes, em busca de dinheiro fácil. A conclusão é notória, o "jeitinho brasileiro" chegou ao judiciário. A "indústria do dano" tem um novo vilão! Infelizmente os médicos desamparados de uma assessoria jurídica (primordialmente preventiva) são as novas vítimas. O dano tornou-se uma verdadeira indústria, em que é apostado no êxito da ação como forma de obter um enriquecimento fácil, sem dispêndio algum, mesmo porque o Estado, de qualquer forma, apreciará o pedido infundado, ou seja, pouco a perder e muito a ganhar.
O novo vilão: o médico
Em seu exercício profissional, o médico se sujeita a praticar atos que resultem em responsabilidade ético-profissional, civil e penal, sendo possível incorrer, simultaneamente, nas três modalidades de responsabilização. Nos últimos anos o número de processos contra médicos cresceu em escala alarmante. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, nos últimos dez anos o país teve um aumento de 1.600% (mil e seiscentos porcento) no número de processos judiciais envolvendo médicos (civil e criminal). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no ano de 2000, havia julgado 16 processos relativos à "erro médico". Já em 2014, encontramos no repertório jurisprudencial mais de 1300 decisões sobre este tema. O cenário para os profissionais da medicina não é dos melhores. Os números demonstram que o médico é a "bola da vez" da indústria do dano que assola o judiciário brasileiro, como veremos no decorrer deste artigo.
O aumento de demandas contra médicos: o desconhecuimento da ob rigação médica
A relação entre médicos e pacientes passou por grande evolução no decorrer dos anos, o sacerdócio médico cedeu lugar à relação de consumo em massa, os grandes avanços da ciência tornaram os procedimentos mais eficazes, mas em contrapartida os riscos foram aumentados. Há diversos fatores que podemos elencar como fomentadores do aumento de demandas contra médicos, mas a causa que merece destaque é o aumento de demandantes da chamada loteria jurídica somado ao desconhecimento da realidade da obrigação médica. Todo procedimento médico é eivado de riscos, seja os inerentes ou seja os imprevisíveis, o chamado fator “álea” da atividade médica é composta por uma série de fatores que fogem de toda a diligência e zelo do profissional. Podemos citar o organismo humano e seus fatores intrínsecos e individuais, some-se ainda a doença e a falibilidade da ciência, todos estes fatores interferem na conduta do médico e estão fora de seu alcance, por isso a obrigação médica é tida como de meio, ou seja, a obrigação do médico se resume em agir de acordo com sua lex artis com prudência, zelo e cuidado para obter o resultado/cura, mas não se obriga a garantir um resultado sob a ótica do leigo. O não alcance do resultado não é rotulado como inadimplemento e não enseja em responsabilidade. A ciência médica evoluiu demasiadamente no decorrer dos anos, mas não se olvida que ainda está aquém do êxito sempre. Os fatores aleatórios que a cercam interferem na atividade médica não sendo possível assim assegurar um resultado preciso e exato. Ressalta-se que é grande o desconhecimento da obrigação do médico, assim como desconhece-se os fatores aleatórios que cercam sua atividade. Contudo, não há fomento para este tipo de estudo no Brasil. Infelizmente há uma avalanche de processos contra médicos em que não há na realidade o dito "erro médico".
A avalanche de processos infundados trazem danos a toda a sociedade brasileira, mas principalmente ao médico, que na grande maioria das vezes luta contra as pré-suposições e os pré-conceitos em busca de provar sua inocência. Mas no decorrer destes processos os danos ao médico são demasiadamente exagerados, na realidade se luta e se gasta muito para comprovar o não erro médico.
Aumento das demandas x condenações judiciais
Como temos observado, na maioria destes processos do alegado "erro médico" são compostos por pedidos infundados que consequentemente são julgados improcedentes. Infelizmente, a indústria do dano conta como fomentador o próprio sistema jurídico brasileiro, pois há diversos institutos protecionistas que possibilitam o paciente de levar ao judiciário uma espécie de "loteria jurídica". A medicina, devido ao fator álea da atividade, conta com diversos fatores adversos e desconhecidos antecipadamente que podem causar danos ao paciente, contudo, estes danos nem sempre são considerados "erros médicos". A profissão do médico é de alto risco, e o êxito de seu trabalho não depende exclusivamente dele, mas também de múltiplos fatores que independem de sua vontade. Porém o paciente ao se deparar com o evento adverso, possibilitado pelo próprio sistema se aventura judicialmente em busca de dinheiro fácil. Ressalta-se que para ensejar o dever de reparar na obrigação médica são necessários alguns elementos: dano, nexo de causalidade e conduta médica culposa. Certo é que nenhum procedimento é isento de riscos, e eventos adversos poderão acontecer, mas nem todo evento adverso é de responsabilidade do médico, tendo em vista os fatores aleatórios que são atravessados na obrigação médica. É certo ainda que em média 80% (oitenta porcento) dos casos que os médicos são colocados como réus na demanda são julgados improcedentes, sendo o médico considerado inocente. Há outros fatores que fundamentam e fomentam a indústria do dano contra médicos. Como veremos adiante, o cerne da obrigação médica e seus fatores aleatórios não são levados em conta no momento do ajuizamento da referida ação, pois aos pacientes tidos como consumidores são dados fomentos para demandar sem a devida boa-fé objetiva que é imposta a todos da sociedade ao levar um evento adverso ao judiciário. O grande aumento de processos contra esses profissionais reflete a política protecionista dada aos consumidores que fomenta a indústria do dano sem fundamento.
Necessidade de nova postura dos tribunais
Assim, destaca-se a impunidade concernentes às ações infundadas que poderiam ser caracterizadas em litigância de má-fé. Deve-se coibir os pedidos de danos sem justa causa, e esta tendência deveria ser feita através da condenação de litigantes de má-fé. Observa-se que o próprio sistema jurídico fomenta a demanda infundada. O demandante não precisa de precaução na análise de fatos e fundamentos jurídicos para demandar. Basta apenas a crise emocional e o sentimento de "loteria jurídica" se afloram na busca por dinheiro fácil e sem custos. Um homem de conhecimento mediano, diligente e prudente que não conta com a gratuidade de justiça irá procurar amparo técnico e científico antes de intentar uma ação contra outrem, pois sabe que se sucumbente terá que arcar com os ônus e honorários do advogado da outra parte. Porém, o sistema jurídico brasileiro criou a classe de demandante, qualificados como demandantes da "loteria jurídica". Pois não custará nada a ele intentar com sua demanda infundada por dinheiro fácil. A deferimento imoderado e facilitado do benefício de litigar sem gastos, acrescida da ausência de riscos para se demandar junto ao Poder Judiciário, é um dos fatores que provoca o crescimento do número de pessoas que estão abusando do direito e propondo ações meramente protelatórias, abusivas, aventureiras e irresponsáveis.
Conlusão
O cenário atual demonstra que os pacientes/consumidores sujeitos de direitos, demandam ao judiciário, de maneira abusiva, em sua maioria, utilizando o judiciário sem fundamento, ou seja, utilizando o direito constitucional e fundamental de inafastabilidade do controle jurisdicional com finalidade social divergente do que instituído pela lei e bons costumes. É esperado de todo cidadão ao exercer seu direito de acesso ao judiciário que o exerça dentro dos limites da boa-fé, ética e finalidade social, ou seja, dentro dos padrões de prudência e diligência que teria inspirado um homem atento e diligente, sendo necessários fundamentos pertinentes, fáticos e jurídicos. Há apenas inconformismo, não há fundamentos fáticos para amparar a demanda. Tratam de questões fadadas a improcedência. Portanto, esses rigorosos institutos aplicados na responsabilidade civil médica demonstram que é excessiva a desvantagem na aferição de supostos “erros médicos” em detrimento dos profissionais médicos, os quais necessitam ter sua dignidade auferida como o mesmo rigor, garantido pela Constituição Cidadã. A indústria do dano moral contra o médico, não atinge apenas a sua esfera patrimonial, que ao contrário dos demais fornecedores de serviço, não conta com vultuoso poder econômico e nem mesmo com a justiça distributiva. Colocar sobre o médico o encargo financeiro de financiar uma demanda aventureira, é uma flagrante lesão a seus direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a presunção da boa-fé nas relações de consumo, entre outros direitos afrontados e vilipendiados.
Fernando Knoblauch B. Figueiredo. Advogado; Especialista em Direito Civil e Processo Civil; Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário; Gestor de crises em Direito Médico; Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/GO; Sócio diretor da SKBR Advogados S/S em Goiânia (GO).