Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, enfrentará questionamentos represados pela oposição nos 12 meses em que está à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Senadores prometem perguntas que vão desde a atuação do ministro nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro até a presença dele no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e as reuniões de Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico amazonense”, com assessores da pasta dentro do Palácio da Justiça, caso revelado pelo Estadão. A sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado será na próxima quarta-feira (13/12). Acusado pela oposição de omissão durante e após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, Dino foi alvo de requerimentos de convite, de convocação e para prestar esclarecimentos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro. Dois pedidos de explicações foram aprovados. O principal ponto de discordância com parlamentares da oposição foi sobre a liberação das imagens das câmeras de segurança do prédio do ministério. Dino entregou apenas gravações de quatro das 185 câmeras existentes no local, e afirmou, em agosto, que as gravações são apagadas, depois de um tempo, pela empresa responsável. Agora, senadores, como Luis Carlos Heinze (PP-RS), querem voltar ao tema. “Solicitamos as imagens, mas ele negou, porque as imagens eram comprometedoras para o governo Lula e para ele, inclusive”, disse. Outro ponto que será abordado na sabatina, segundo Heinze, é a atuação das forças de segurança pública, que eram responsáveis pela proteção do perímetro no momento das invasões. “A Força Nacional já tinha sido mobilizada. Por que não atuou? A própria Guarda Presidencial do Palácio, por que estava omissa no caso? Muitas coisas que ele acobertou. Se acobertou como ministro, fará muito mais como ministro da Suprema Corte Brasileira.” O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) avalia que a ausência de Dino na CPMI abre espaço para que o assunto predomine no processo de aprovação do indicado ao STF. A oposição chegou a pedir o indiciamento do ministro em um relatório paralelo entregue à comissão, que não foi incluído na versão final. “A forma como ele tratou o Senado, principalmente na época da CPMI, com total descortesia e desconsideração, não atendendo àquilo que foi solicitado pelo Congresso Nacional, não dando as respostas solicitadas pela CPMI… Vamos ouvir e perguntar, mas serão colocadas algumas coisas nesse sentido”, afirmou Izalci. Outro episódio que a oposição planeja destacar para causar desgaste na imagem de Dino durante o processo de aprovação no Senado é a visita do ministro à favela Nova Holanda, que faz parte do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio. Na ocasião, Dino participou do lançamento de um boletim sobre violência e encontrou lideranças comunitárias da comunidade a convite da ONG Redes da Maré. A visita, que ocorreu em 13 de março deste ano, passou a ser alvo de opositores que acusaram o ministro de ter ligações com o crime organizado da região. “Nessa questão das drogas, outro problema. A forma que ele foi lá no Rio de Janeiro, subiu naquelas bocas de fumo… É totalmente diferente, parece não ser uma pessoa isenta, como deveria ser um ministro da Suprema Corte. Infelizmente, está caindo muito o nível da mais alta Corte brasileira. Então, aquilo virou política”, disse Heinze. O recente caso revelado pelo Estadão, que mostrou que assessores de Dino receberam dentro do prédio do ministério uma integrante do Comando Vermelho, também deverá ser abordado pelos senadores na sabatina na CCJ. “Não pode ter ligação (com integrantes de facções criminosas). Um ministro tem que ser isento. Não pode ter posição, porque ‘é a favor disso daquilo’, não pode. O certo é o certo, não interessa qual é a posição política sua”, afirmou Heinze. Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, conhecida como a “dama do tráfico amazonense”, esteve em audiências com dois secretários e dois diretores da pasta de Dino num período de três meses, entre março e maio deste ano. Condenada em segunda instância a dez anos de prisão por associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, Luciane é casada desde 2012 com Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas” – considerado um dos criminosos mais temidos do Amazonas. Após a publicação das reportagens do Estadão, o Ministério da Justiça admitiu os encontros e editou uma portaria com novas regras, mais rígidas, sobre visitas.
Liberdade de expressão e notório saber jurídico
Além desses, outros pontos também estão no radar dos senadores. O presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Senado Federal, Carlos Viana (Podemos-MG), pretende questionar Dino sobre a liberdade de expressão na internet. “Tem que explicar bem”, disse o senador. Em entrevista ao Estadão, o ministro já declarou que as redes sociais passaram a lucrar com discursos de ódio e precisam ser reguladas. “Elas são uma ameaça à democracia, pela ausência da regulação. Elas são muito boas. É como energia nuclear: ela salva vidas e também mata pessoas”, disse em fevereiro. Apesar de o ministro já ter expressado posições contrárias a pautas sensíveis para o grupo religioso, como a descriminalização das drogas e do aborto, a bancada o rotula como “comunista”, devido ao fato de Dino já ter sido filiado ao PCdoB. A bancada evangélica articula nos bastidores do Senado uma mobilização para que parlamentares votem contra a indicação dele. Já o senador Márcio Bittar (União-AC) quer questionar Dino sobre a situação dos indígenas no Parque Indígena do Xingu. Bittar refere-se à recente decisão do ministro Nunes Marques, do STF, que suspendeu o processo de desintrusão de invasores da terra indígena Apyterewa (Pará). Um dia depois, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, derrubou a decisão. Bittar quer saber a posição do Dino em relação a questões como essa, que fazem parte da “história” do parlamentar. “É importante para mim, mas deveria ser para todos”, afirmou. O senador é favorável ao marco temporal das terras indígenas, tese que estabelece que só podem ser demarcadas reservas em áreas ocupadas por indígenas até a promulgação da Constituição em 1988. Em setembro, a Suprema Corte declarou esse princípio inconstitucional. Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) fará sabatina com Flávio Dino. Na foto, reunião destinada às sabatinas de autoridades indicadas para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) fará sabatina com Flávio Dino. Na foto, reunião destinada às sabatinas de autoridades indicadas para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Foto: Geraldo Magela/Agência Senado. Mais um aspecto que a oposição pretende explorar diz respeito às competências e qualidades jurídicas necessárias para assumir a cadeira da Suprema Corte. Para o senador Alan Rick (União-AC), Dino não apresenta o notório saber jurídico, critério estabelecido na Constituição para indicação ao STF. “O presidente Lula, ao invés de indicar um nome técnico, um magistrado de carreira, que poderia ajudar a arrefecer a relação estremecida entre Senado e STF, opta por indicar um amigo político que há muito deixou a carreira jurídica”, disse. Dino começou a carreira no Judiciário e foi juiz federal da 1ª Região entre 1994 e 2006, quando decidiu ingressar na política. O senador também quer saber o que Dino pensa sobre invasões de terras e “controle da mídia” que, nas palavras de Alan Rick, Dino já tem “posição definida incompatível com a imparcialidade que tais temas merecem”.
Governistas preparam defesa de Dino
A base governista, por outro lado, quer ressaltar a vida profissional de Dino e destacar a atuação dele no Ministério da Justiça e Segurança Pública. “É um jurista e um homem muito preparado”, defendeu a senadora Augusta Brito (PT-CE). “À frente da pasta da Justiça, foi um dos maiores defensores da democracia e isso é inquestionável.” Na avaliação da senadora Teresa Leitão (PT-PE), Dino é “uma pessoa muito segura, muito tranquila e bem-humorada”, que, mesmo submetido a pressões, lidará bem com a sabatina. Leitão acredita que os atos de 8 de janeiro serão abordados, mas argumenta que o episódio “já foi comprovado que foi um golpe” e, por isso, prevê que o ministro não enfrentará maiores empecilhos. A opinião é endossada pelo senador Paulo Paim (PT-RS). “Tenho certeza que se a oposição levantar isso (sobre os atos do dia 8 de janeiro), ele vai dar a resposta autônoma, como sempre deu até hoje”, afirmou. Humberto Costa (PT-PE), por sua vez, diz esperar que Dino molde seu temperamento para não cair em provocações durante a sabatina, que, na avaliação dele, será marcada por polêmicas e conflitos. “Pelo clima que está sendo criado pela extrema direita até agora, acredito que essa batina será marcada por muitas polêmicas, por muitos conflitos. Tenho plena convicção de que o ministro, o futuro ministro do Supremo, Flávio Dino, terá a tranquilidade necessária para não cair nas provocações e até adotar um estilo diferente do que sempre tem adotado, de confrontação com esses segmentos da extrema direita.” Costa afirmou ainda que a base governista estará na “linha de frente” no plenário do Senado para garantir que o nome de Dino seja aprovado.
Entenda o trâmite para aprovação da indicação ao STF no Senado
Para ser confirmado como novo ministro do STF, Dino precisa passar por uma sabatina e duas votações no Senado. O rito prevê que o indicado passe primeiro por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. O colegiado tem 27 senadores titulares na composição atual. Nesta etapa, Dino deve responder aos questionamentos, que podem ser sobre temas jurídicos, políticos e pessoais. Após as perguntas, os senadores da CCJ votam secretamente o parecer sobre a indicação. O ministro da Justiça precisará obter a maioria simples (maioria dos votos, presentes mais da metade dos membros do colegiado). Levantamento feito pelo Estadão, realizado após a indicação, mostrou que Dino já tinha mais da metade dos votos necessários para sua aprovação na CCJ. Em seguida, é feita a análise no plenário do Senado. Também em votação secreta, Dino precisará conquistar maioria absoluta dos votos, com pelo menos 41 dos 81 senadores favoráveis.Caso seu nome seja aprovado, Dino ocupará a cadeira deixada por Rosa Weber, que se aposentou ao 75 anos, quando atingiu a idade estabelecida pela regra da aposentadoria compulsória. (Estadão)