Brasília (DF) - Depois de ser alvo de mais ataques, agora diretos e públicos, do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Luiz Henrique Mandetta elevou também o tom de suas reclamações sobre o chefe a pessoas próximas. Se dizendo de “saco cheio” e afirmando que sua permanência no governo se tornou “insustentável”, ele porém ouve de volta apelos para que “fique firme”. À imprensa, também externou insatisfação, mas disse que fica na cargo porque “médico não abandona paciente”. Os ruídos sobre possível demissão de Mandetta ganharam um novo capítulo na quinta (2), quando o presidente disse à Jovem Pan que o subordinado deveria “ter mais humildade” e “ouvir um pouco mais o presidente”. Ao saber da crítica, Mandetta falou com o chefe por telefone e ouviu dele que deveria “pedir demissão”. Respondeu: “O senhor que me demita”. E ainda completou, segundo relatou a amigos, que o presidente deveria arcar sozinho com as mortes que vão ocorrer caso ele de fato faça o que vem ameaçando fazer - derrubar as medidas de contenção ao coronavírus impostas por estados e municípios, seguindo orientações do Ministério da Saúde. Em jantar na residência oficial do Senado com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, e o vizinho, presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ambos de seu partido, DEM, ele desabafou. Disse que estava “fora” do governo e tinha chegado “ao limite”. Convencido por ambos a seguir, o ministro saiu de lá, porém, com o discurso que tem mantido até então: como médico, não abandonar o paciente (no caso, o Brasil), e só deixar o caso, se for da vontade do pai do doente (nesta situação, o presidente Jair Bolsonaro). Manter o trabalho, com foco na técnica e na ciência. É o que tem levado à sua equipe, pedindo também calma a todos. À imprensa, Mandetta contemporizou. Repetiu o discurso: “Médico não abandona paciente”. De acordo com ele, a preocupação de Bolsonaro com a economia é de uma pessoa que tem um “amor profundo pelo Brasil”. “O que eu vejo é uma vontade muito grande de acertar, de achar o caminho todos juntos para irmos com esse paciente a um Porto Seguro”, afirmou. “Aprendi com meus mestres que médico não abandona paciente. Já cansei de estar no plantão e o plantonista não parecer e eu ficar 24 horas dentro do hospital. Já passei Natal dentro de hospital com filho pequeno em casa e mulher esperando. O foco é no serviço, no trabalho. Esse paciente chamado Brasil, quem me pediu para tomar conta dele, é o presidente. E eu tenho dado para ele todas as informações. E entendo, entendo. Entendo os empresários que se queixam a ele. Entendo as pessoas que veem o lado político e colocam a ele. Entendo as pessoas que gostariam que a solução fosse uma solução rápida.” Esse paciente chamado Brasil, quem me pediu para tomar conta foi o presidente. E eu tenho dado para ele todas as informações. (...) Entendo as pessoas que gostariam que a solução fosse uma solução rápida.
Luiz Henrique Mandetta
Ao ser questionado sobre o resultado de pesquisas de popularidade que indicam uma avaliação melhor que a do presidente, Mandetta contemporizou. “Daqui a pouco eu sou passado”, disse. “Pesquisas instantâneas não querem dizer absolutamente nada. Não somos uma ilha. Isso aqui é parte do governo do presidente Jair Bolsonaro. Se eu estou aqui, é porque ele me nomeou. Se eu permaneço aqui é porque ele tem a caneta para me manter aqui ou me tirar daqui”, completou. Sobre uma possível manifestação de bolsonaristas no fim de semana, Mandetta alertou que aglomerações podem levar a uma espiral de casos e, por consequência, um colapso do sistema e uma elevação do numero de mortes. “A história dessa doença esta sendo escrita pela sociedade”, disse. Ele lembrou que locais que não reduziram o ritmo, como Nova York (EUA) e Itália, viveram situações de colapso. O democrata lembrou que não há vacina, nem remédio em larga escala para a covil-19, nem testes para toda a população brasileira. “Temos uma doença infecciosa respiratória viral. Se juntarmos, vamos fazer contaminação um dos outros”, disse. O ministro afirmou que não é autoridade nacional para proibir que as pessoas saiam nas ruas. “Não estou aqui para ser o gestor das vontades das pessoas. Estamos numa sociedade democrática. Tem lei sobre isso. As pessoas são donas de deus destinos, individuais ou coletivamente”, afirmou.
Cai, não cai
Não tem sido fácil para o ministro, porém. São sucessivos os ataques que sofre. O de quinta, na entrevista do mandatário à rádio Jovem Pan, foi público. Têm ocorrido, porém, uma sequência deles nos bastidores e em privado. Na sexta-feira (3/4), o ministro da Saúde foi procurado por interlocutores do Palácio do Planalto, entre eles o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que também lhe pediu “calma” e “desculpas” pelo comportamento do presidente. É a ala militar quem tem evitado “o pior” e impede que Bolsonaro demita Mandetta. Já a ala radical, liderada por Carlos Bolsonaro, é entusiasta de uma mudança nos rumos do tratamento que vem sendo dado ao discurso sobre o coronavírus no País. Foi inclusive o filho do presidente quem o incentivou a dizer na entrevista à Jovem Pan que o ministro precisa de “mais humildade”. É também Carlos que estimula o pai a travar batalhas e elevar o tom nas redes sociais, com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada. Em Brasília, há um clima de tensão no ar. Teme-se a demissão do ministro, porque em seu lugar, o mais cotado para a vaga é o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, chamado pelos corredores de “o terraplanista”. Uma ala, porém, duvida que Bolsonaro tenha coragem de “bancar” demissão de Mandetta, embora, na entrevista de quinta, tenha afirmado que “nenhum ministro seu é “indemissível”. Isto porque o chefe do Ministério da Saúde tem sido muito bem avaliado e sua condução da crise do coronavírus. Rodrigo Maia faz parte deste grupo. Sexta (3/4), em uma videoconferência do Valor Econômico, afirmou que o mandatário “não tem coragem de tirar o ministro e mudar oficialmente a política de enfrentamento à pandemia”. Mandetta chegou ao Ministério da Saúde pelas mãos do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, sob as bençãos também do atual ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. Integra ainda grupo político da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e compartilha apoio da bancada ruralista.
Fonte: Poptvnews / Agências de Notícias