Como quase todo fim de semana, Jair Bolsonaro pegou seu cartão corporativo e foi passear em um reduto eleitoral para pedir o direito a passar mais quatro anos passeando às custas de seus eleitores. Eles pagam o que o presidente e seus assessores consomem na viagem e os esquemas policiais para transitar com seu cercadinho em segurança. Até aí, não haveria nada de novo, não fosse um detalhe: em seu giro dominical por Santa Catarina, surgiu uma cena, dessas gravadas para a posteridade, em que ele toma a mão de seu apoiador mais notório e se irrita com os papagaios de piratas que queriam figurar em primeiro plano. Nessa linha de coadjuvantes estava o ex-secretário da Pesca, Jorge Seif, e Daniela Reinehr, vice-governadora catarinense mais conhecida pela dificuldade em se posicionar sem criar um caso de família ao comentar a admiração do pai a Adolf Hitler. “Fica para trás, meu Deus do Céu”, pede um irritado Bolsonaro ao perceber a infiltração. Desde então meio mundo parou para discutir: para qual fã incômodo foi a reprimenda presidencial? Não é preciso chamar nenhum Ricardo Molina para analisar o vídeo. Se, na ditadura, o ufanismo oficial usava a bola para cantar “pra frente, Brasil”, os retrocessos de seu defensor mais ferrenho são anunciados sem jingle nem disfarce. Foi o próprio presidente quem anunciou, em uma de suas primeiras viagens oficiais, que o Brasil não era um terreno aberto onde pretendia construir coisas para nosso povo, e sim “desconstruir”. Ainda em campanha, o então candidato a presidente dizia sonhar em fazer do Brasil um lugar “semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos atrás”.
Ninguém pode dizer que o plano fracassou
Na última semana, o presidente viu estourar no colo a suspeita de que, como nos tempos dos coronéis, usou sua influência na Polícia Federal para salvar de apuros um ex-ministro da Educação que sonhava com os tempos em que universidade era um direito para poucos. A preocupação, caso seja comprovada, deve ter o objetivo de livrar a própria cara, colocada no fogo por ele mesmo ao sair em defesa de Milton Ribeiro. Nos últimos três anos e meio, Bolsonaro e retrocesso viraram palavras-irmãs. Não é rima nem solução, mas basta jogar as duas tags (Bolsonaro + Retrocesso) em um buscador para visualizar mais de 2,73 milhões de resultados.
Não é à toa.
Há, como mostram as suspeitas sobre Milton Ribeiro, retrocesso no campo da educação. Mas também no combate ao desmatamento. E nas instituições loteadas por aliados e nomes fora da lista tríplice. Nos mecanismos para impedir decisões eleitoreiras em…ano de eleição. Nas leis de acesso à informação obstruídas por decretos de sigilo. Na defesa de direitos de minorias. No combate à fome. Na renda. Nas políticas de saúde pública. Na capacidade do país se blindar de choques econômicos e evitar surtos inflacionários. Na relação entre Poderes. Há retrocessos, principalmente, no campo democrático. “Fica para trás, meu Deus do Céu” não é uma bronca para este ou aquela apoiadora. É uma mensagem para 212,6 milhões de pessoas. Um recado para um país inteiro: fiquem para trás. A bronca chama a atenção não para o que atinge, mas para o que revela. É um honesto e incontestável slogan oficial de campanha.