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WhatsApp hackeado? O polêmico caso que envolve príncipe saudita e o homem mais rico do mundo

Relatores especiais das Nações Unidas afirmam que Mohammed bin Salman enviou vídeo com código malicioso ao homem mais rico do mundo, para extrair informações que silenciassem seu jornal

Foto: Getty Images / BBC News Brasil
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Mohammad bin Salman e Jeff Bezos, em foto de arquivo

26 janeiro, 2020

Arábia Saudita (Ásia) - Uma intriga internacional envolve, desde 2018, o homem mais rico do mundo e uma ditadura ultrafechada acusada de matar seus inimigos com requintes de crueldade. E, agora, o caso está sendo investigado por especialistas em direitos humanos da ONU. Segundo essa investigação, Jeff Bezos — dono da gigante Amazon e do jornal The Washington Post — recebeu, em maio de 2018, uma mensagem de WhastApp da conta pessoal de Mohammed bin Salman (conhecido como MBS), príncipe herdeiro da Arábia Saudita, considerado um dos regimes mais rígidos do mundo. Os dois haviam se encontrado algumas semanas antes em uma festa. Na mensagem de WhatsApp vinda do príncipe saudita, diz a apuração da ONU, havia um arquivo de vídeo em MP4 que continha um "malware" — um arquivo malicioso que hackeou o celular de Bezos e extraiu dezenas de arquivos do aparelho. Um contexto importante nessa história: na época da invasão do telefone de Bezos, seu jornal, o Washington Post, publicava regularmente as colunas do jornalista Jamal Khashoggi, fervoroso crítico do regime saudita. Khashoggi foi morto poucos meses depois desse episódio, em outubro de 2018, dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul. Como seu corpo desapareceu, as autoridades turcas concluíram que ele foi esquartejado e dissolvido em ácido. Na época da invasão do telefone de Bezos, seu jornal, o Washington Post, publicava regularmente as colunas do jornalista Jamal Khashoggi (foto), posteriormente morto dentro do consulado saudita em Istambul
Na época da invasão do telefone de Bezos, seu jornal, o Washington Post, publicava regularmente as colunas do jornalista Jamal Khashoggi (foto), posteriormente morto dentro do consulado saudita em Istambul. Fontes da CIA (agência de inteligência americana) ouvidas pela agência Reuters naquele ano acreditavam que Mohammed Bin Salman havia ordenado a morte de Khashoggi. O príncipe negou e afirmou que a morte do jornalista havia sido ordenada por oficiais sauditas agindo por conta própria. Desde então, cinco pessoas foram condenadas à morte na Arábia Saudita pelo caso Khashoggi — algo que a ONU considerou uma "farsa".

'Influenciar ou silenciar o Washington Post'
Da mesma forma, o regime saudita negou ter invadido o celular de Bezos, afirmando se tratar de uma acusação "absurda". "A ideia de que o príncipe herdeiro hackearia o telefone de Bezos é absolutamente tola", afirmou à Reuters o chanceler saudita, príncipe Faisal Bin Farhan Al Saud. No entanto, comunicado emitido nesta quarta-feira (22/01) por Agnes Callamard, relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, e David Kaye, relator especial da ONU sobre liberdade de expressão, afirmaram terem recebido uma análise forense de 2019 que dizia, com "nível médio a alto de confiança", que o celular do bilionário americano fora alvo de "extrações (de arquivos) sem precedentes" poucas horas depois de ter recebido o vídeo enviado pela conta pessoal do príncipe saudita. A análise forense do celular indicou que ele foi hackeado por um malware que "segundo foi amplamente reportado, havia sido comprado e utilizado por oficiais sauditas" e "é alvo de um processo judicial movido pelo Facebook/WhatsApp" contra o NSO Group, criador do malware. "A informação que recebemos indica o possível envolvimento do príncipe herdeiro na espionagem de Bezos, em uma tentativa de influenciar, senão silenciar, a cobertura do Washington Post sobre a Arábia Saudita", dizem os relatores da ONU, pedindo "investigação imediata pelos EUA e outras autoridades relevantes."

Vida pessoal de Bezos
Segundo a ONU, a invasão no celular de Bezos teria permitido aos hackers extrair informações de cunho pessoal do bilionário. Entra aqui mais um agente na intriga: o tabloide americano National Enquirer, próximo tanto do presidente americano Donald Trump quanto do regime saudita. Em fevereiro de 2019, Bezos fez um post público acusando o National Enquirer de chantageá-lo com a publicação de fotos e informações sobre um suposto caso extraconjugal seu. Um investigador contratado por Bezos concluiu, no mês seguinte, que o material pessoal teria sido fornecido pelos sauditas ao National Enquirer. "Nossa investigação e diversos especialistas concluíram, com alto grau de confiança, que os sauditas tiveram acesso ao telefone de Bezos e obtiveram informação confidencial", escreveu o investigador, Gavin de Becker, em março do ano passado. Em 2019, Bezos fez um post público acusando um tabloide de chantageá-lo com a publicação de fotos e informações íntimas; suspeita-se que a fonte disso tenham sido os sauditas
Em 2019, Bezos fez um post público acusando um tabloide de chantageá-lo com a publicação de fotos e informações íntimas; suspeita-se que a fonte disso tenham sido os sauditas.

O tabloide, por sua vez, afirmou que obteve os dados de outra fonte

Há, porém, registros obtidos pelo jornal The New York Times de que o príncipe MBS tenha se encontrado com David Pecker, executivo-chefe do National Enquirer, em setembro de 2017. Além disso, segundo os relatores especiais da ONU, a invasão do celular de Bezos "é reforçada por outras evidências de sauditas que alvejaram dissidentes e pessoas que consideravam oponentes". "Cabe aos EUA e à comunidade internacional dizerem 'basta'", disse, segundo a Reuters, a relatora Agnes Callamard. "Esse tipo de comportamento, incluindo no mais alto nível de governo, é absolutamente inaceitável e não deve ser tolerado." A mesma Callamard foi quem, em junho de 2019, liderou a investigação da ONU em Istambul que concluiu que a morte de Khashoggi havia sido premeditada e que o príncipe MBS deveria ser investigado pelo caso.