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Dezembro de 2024
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Divórcio

O "plano de Cebolinha" de Boris

A proposta do premiê britânico para garantir o Brexit até o final deste mês só torna ainda mais provável um novo pedido de adiamento do divórcio entre Reino Unido e União Europeia

Foto: Reuters/Phil Noble
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O primeiro-ministro Boris Johnson, durante a conferência anual do Partido Conservador, em Manchester, na terça-feira (1º/10)

03 outubro, 2019

Bruxelas (Bélgica)  - O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, revelou ontem enfim seu plano para um novo acordo de divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), de modo que o Brexit possa acontecer em 31 de outubro. A proposta deverá ser examinada pela UE até dia 17, data da reunião de cúpula decisiva para o Brexit. É uma tão estapafúrdia que não há chance alguma de ser aceita. Parece mais um dos "planos infalíveis" com que Cebolinha tentava roubar o coelhinho da Mônica. A estratégia inicial de Boris era ameaçar a UE com a possibilidade concreta (e catastrófica) do divórcio sem acordo, para forçar a UE a topar condições mais duras de controle na fronteira entre as duas Irlandas, ponto mais sensível do acordo fechado pela ex-premiê Theresa May no ano passado e rejeitado três vezes no Parlamento britânico. Tal ameaça perdeu a força depois da lei, aprovada à revelia de Boris, que o obriga a pedir um novo adiamento (o terceiro) da data do Brexit, caso não haja acordo aprovado até 19 de outubro. O poder de barganha dele esvaziou como um balão de festa infantil. Depois, a Suprema Corte decidiu por unanimidade que Boris violou a lei ao induzir a rainha Elizabeth a suspender a sessão parlamentar por cinco semanas, e o Parlamento voltou a se reunir (deverá ser suspenso na terça-feira por uma semana, em preparação ao discurso da rainha dia 14 de outubro). Diante de tantas derrotas, Boris tem buscado caminhos para manter a credibilidade e tentar cumprir a promessa de Brexit no dia 31 “vivo ou morto”. Daí a nova proposta de acordo, que revê o dispositivo criado no acordo de May para manter aberta a fronteira entre Irlanda (parte da UE) e Irlanda do Norte (parte do Reino Unido): o tão criticado e vilipendiado “backstop” (rede de segurança). O “backstop” prevê que, até que as duas partes fechem um acordo definitivo regulando a nova relação depois do divórcio, a Irlanda do Norte e o Reino Unido permaneceriam ligados à UE por uma união aduaneira, com livre circulação de mercadorias, serviços e capitais. Os defensores do Brexit consideram tal dispositivo uma armadilha para manter os britânicos sujeitos às regras europeias indefinidamente. Nenhum país que participa de uma união aduaneira pode fechar acordos comerciais com países fora dela sem aval dos demais – e essa é a maior promessa trazida pelo divórcio da UE. Em vez do “backstop”, o "plano infalível" de Boris propõe outra saída: a permanência do país na união aduaneira apenas até o final de 2020, mesmo que não haja um acordo comercial definitivo com a UE até lá. Nesse caso, todo o Reino Unido deixaria a união aduaneira (Irlanda do Norte inclusa). Em vez de restabelecer controles na fronteira, Boris sugere uma solução que mistura comédia e ficção. Como a Irlanda do Norte ficaria fora da união aduaneira, os caminhões que atravessassem a fronteira para a Irlanda seriam obrigados a preencher declarações de alfândega. Boris propõe que sejam declarações eletrônicas. Para satisfazer à exigência europeia de que não haja controle na fronteira propriamente dita, propõe que haja inspeções esporádicas em galpões ou instalações em “localizações designadas em qualquer lugar, na Irlanda ou na Irlanda do Norte”. Não é piada. Seria uma espécie de fronteira virtual, com o compromisso de jamais instaurar inspeções na fronteira no futuro. Não há precedente semelhante em nenhum dos outros países que têm fronteira física com a UE, nem até onde a vista pode alcançar no planeta Terra. Outra determinação do plano de Boris é que o Parlamento norte-irlandês, o Stormont, decida até o final de 2020 – e, depois, de quatro em quatro anos – se o país continuará a seguir padrões e normas da UE no comércio de mercadorias. Se continuar, seria necessário estabelecer outro controle semelhante ao primeiro, com inspeções sistemáticas nos portos que ligam a Irlanda do Norte à Grã-Bretanha. Equivaleria à criação de uma fronteira nada virtual dentro do próprio país. Sem nenhuma surpresa, a proposta de Boris foi bombardeada de todos os lados. Os norte-irlandeses, cujo comércio com a vizinha Irlanda responde por um terço das exportações e, em mercadorias, soma £ 5,2 bilhões anuais, teriam de se submeter a dois tipos diferentes de controle para manter o nível de atividade. “Inviável e inpalatável” foram os adjetivos usados por empresários da Irlanda do Norte para qualificar a solução. Um dos negócios mais afetados seria a produção da cerveja Guinness, realizada dos dois lados da fronteira. Os europeus evitaram críticas diretas, mas o plano de Boris foi recebido em Bruxelas com um misto de espanto e derrisão. Para a UE, seria problemático aceitar que o Parlamento norte-irlandês tivesse, sozinho, o poder de determinar a saída do país da união aduaneira. O premiê da Irlanda, Leo Varadkar, afirmou em comunicado que a nova proposta é insatisfatória. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, mencionou “pontos problemáticos”. Não há chance alguma de que os termos da proposta de Boris sejam aprovados no Parlamento europeu. Graças aos poderes concedidos ao Stormont, Boris obteve o apoio dos dez parlamentares do Partido Unionista Democrático (DUP), de que depende para aprovar seu plano no Parlamento britânico. Eles resistiam à solução do “backstop”, por julgar que poderia criar uma fronteira interna no Reino Unido, mas acabaram aceitando a solução ainda mais bizarra da nova proposta. Boris continua a contar com o apoio do grupo do Partido Conservador que quer o Brexit de qualquer jeito em 31 de outubro. É possível que aprove um acordo no Parlamento britânico? Se obtiver a assinatura da UE, sim. Por via das dúvidas, voltou a prometer, na conferência do partido em Manchester, que o país deixará a UE mesmo sem acordo. Especula-se que, para cumprir a promessa, esteja disposto a reivindicar poderes de emergência para descumprir a lei que o obriga a pedir novo adiamento. Se houver nova batalha jurídica, a Suprema Corte voltaria na certa a se colocar contra suas manobras. “Há muito pouco tempo para negociar um novo acordo entre Reino Unido e UE”, afirma Boris na primeira linha da carta enviada a Juncker com sua proposta. É verdade. Por isso mesmo, o mais provável é que ele seja obrigado a pedir novo adiamento. Ou que caia – e outro premiê, mesmo provisório até novas eleições, seja obrigado a fazê-lo.