Não sei se vocês perceberam, mas entre os pré-candidatos da corrida presidencial de 2022 tem um governante que está engajado até a alma na tarefa de convencer os eleitores a darem a ele o direito de passar mais quatro anos andando de moto, cavalo e jet ski. A agenda de trabalho do atual presidente é raquítica. A maior parte do tempo é consumida em conversas de cercadinho, viagens para encontro com apoiadores, distribuição de coices e platitudes, provocações estúpidas e justificativas furadas sobre a tragédia de seu governo –atribuída a monstros de mãos visíveis e invisíveis instalados em outros Poderes. Às vésperas da votação, fará um grande serviço de utilidade pública ao país o estatístico que levantar quantas horas Jair Bolsonaro consumiu, às custas do eleitor e do cartão corporativo, em futricas, picuinhas, brigas intestinas e outras tresloucadas com governos estrangeiros, professores universitários, artistas, vacinas, urnas eletrônicas, radares de velocidade, fiscais do Ibama, horário de verão, tomadas de três pinos e fantasmas da Guerra Fria. Curioso, desses tempos, é que o presidente que não trabalha e demonstra dificuldade em pronunciar palavras como questão (em seu vocabulário, algo como “cuestão” ou “coestã”) tenha por hábito chamar meio mundo de “vagabundo” e “anfalfabeto”. O exemplo vem de cima e faz até a companheira descrever em público toda a alegria por caminhar na vida ao lado de seu “rusband”. Ninguém é obrigado a falar inglês fluente, mas a ostentação da ignorância, dessas que precisam ser demonstradas e publicizadas por não caberem em si, já ficou tão escancarada que ninguém se assusta. À sombra do bolsonarismo, o Brasil do último quadriênio empoderou o sujeito corrupto que luta contra a corrupção, o ignorante que vê burrice em tudo o que não entende, o crítico da mamata civil que recolhe extrapola o teto do funcionalismo com dois salários, o vizinho agressivo indignado com a violência do país, o cristão que não ama o próximo, o fã da polícia que não sobrevive a dez minutos de investigação policial, o sonegador revoltado por (não) pagar impostos, o patriota que bate continência à bandeira americana – e odeia tudo o que é produzido em seu país, inclusive as danças, as cores e os ritmos–, o preguiçoso que vê mamata por todo canto –menos no território corporal instalado logo abaixo do nariz. É o que em minha terra chamamos de sentar no próprio rabo e apontar o rabo alheio –fenômeno que faz alguém criticar no outro tudo aquilo que tenta esconder de si. Zé Neto, da dupla com Cristiano, escorregou na própria casca de banana pendurada na extensão posterior da coluna vertebral ao provocar a cantora Anitta e criticar a Lei Rouanet em um show no interior de Mato Grosso na sexta-feira (13/5). Ele ironizou uma tatuagem feita pela funkeira em uma parte íntima do corpo (um problema dela, ao que parece) e emendou uma crítica social porreta ao sugerir que pessoas como ela (artistas como ele, ao que parece também) só sobrevivem com base na Lei Rouanet –um monstro que de muitas cabeças e muitas tetas que habita a cabeça da turma e que seria responsável por distribuir mamatas a quem não gosta de trabalhar. Não é incrível que a revolta com uma suposta mamata (que não existe, já que o mecenato existe há séculos) venha de quem está a poucos dias de dar seu voto a quem passou a maior parte do mandato passeando de jet ski com o seu (nosso) dinheiro? “O nosso cachê quem paga é o povo”, teve coragem de dizer o sertanejo, para delírio da plateia. Se não por um viral de uma nova marca de óleo de peroba, o sertanejo não fez mais do que passar vergonha. Pois a hipocrisia, assim como a mentira, tem perna curta e não demorou para alguém se ligar que Zé Neto e seu parceiro receberam da prefeitura local R$ 400 mil em dinheiro público para subir ao palco e fazer seu proselitismo político. O dinheiro veio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Sorriso (MT) por meio de um contrato com inexigibilidade de licitação. Não foi a primeira apresentação da dupla bancada com contratos do tipo. Nada ali é ilegal ou imoral, mas chama (muito) a atenção que alguém tenha usado tal exposição para compartilhar a bronca com uma prática que ele também não abre mão. Difícil visualizar algum meio termo nas pontas da ignorância ou da má fé. Sujeito que faz isso não vale o copo que vira, já diria o poeta. Da rivalidade estéril plantada pelo cantor entre o sertanejo e o funk, o que fica na cabeça do episódio é outro acorde. O que acompanha uma música que já descrevia personagens do tipo: “e tudo aquilo contra o que sempre lutam é exatamente tudo aquilo que eles são”.
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