EUA - Dois livros de publicação recente e próxima abordam e revisam o tema da infidelidade. State of Affairs: Rethinking Infidelity (Estado dos Affaires: Repensando a Infidelidade), da psicoterapeuta belga Esther Perel, e The Secret Life of the Cheating Wife: Power, Pragmatism and Pleasure in Women’s Infidelity (A Vida Secreta da Mulher Traidora: Poder, Pragmatismo e Prazer na Infidelidade das Mulheres), da socióloga americana Alicia Walker, que foi lançado recentemente nos EUA. No momento, nenhum deles tem data de publicação no Brasil. A infidelidade é um conceito cambiante, que é atualizado e renovado periodicamente como um catálogo da Tok&Stok. É uma das práticas que mais partido tirou da era digital. Se, como diz Perel em sua palestra Ted sobre o assunto, enganar o parceiro é o único pecado que, segundo a Bíblia, se pode cometer duas vezes (em ato e em pensamento), agora pode ser conjugado em inúmeros tempos e modos, que vão desde se inscrever em segredo em um site de relacionamentos e ter conversas quentes com desconhecidos até uma simples massagem com final feliz. A verdade é que, como Perel aponta em seu livro –que escreveu depois de passar 10 anos viajando pelo mundo, conversando com homens e mulheres infiéis, desde 1990 a taxa de mulheres que traem os maridos aumentou 40% enquanto que a dos homens parece se manter no mesmo nível. Algo que, de acordo com a psicoterapeuta, “não tem resposta fácil, além do boom dos anticoncepcionais, da maior autonomia financeira da mulher e do fim do medo do divórcio, com leis que obrigam os maridos a contribuir para a manutenção dos filhos. Mas, para conhecer os verdadeiros motivos desse aumento, as mulheres teriam de estar no mesmo nível que os homens e isso ainda não aconteceu. A sociedade continua a penalizar mais o adultério feminino do que o masculino. Na verdade, ainda existem nove países no mundo onde a mulher infiel é punida com a pena de morte, enquanto para justificar a traição do homem há toda uma série de teorias evolutivas e biológicas que a explicariam”. As velhas ideias que afirmavam que em uma transa ocasional eles procuram a aventura, a vertigem e um parêntese na aborrecida vida conjugal; enquanto elas perseguem o amor, já não são apresentadas por quase ninguém. E menos por Alicia Walker, que depois de conversar com 40 mulheres que haviam traído seus parceiros chegou à conclusão de que a maioria deles o fez por razões meramente sexuais. “Quase todas as minhas entrevistadas vinham de casamentos sem sexo ou com relações sexuais pobres, sem orgasmos”, comenta Walker. “Em outras palavras, não conseguiam a frequência e nem a qualidade sexual que desejavam.” Os meios de comunicação norte-americanos relacionaram a crescente infidelidade feminina com o fato de as mulheres trabalharem mais em casa do que os homens, ainda não há uma divisão equitativa das tarefas e alcançar a igualdade nesse assunto poderia ser, de certa forma, uma tentativa de equilibrar a balança em outros aspectos. Mas Walker parece cética com essa teoria e com as estatísticas e pergunta, “talvez, mais do que um aumento dos casos de infidelidade em mulheres, o que acontece é que muitas que antes não ousavam admitir isso agora começam a reconhecer, em parte protegidas pelo anonimato das sondagens realizadas na rede. A maioria das mulheres da minha amostra reconheceu que amava o marido e queria permanecer junto, mas estava cansada de não obter o que procurava no terreno erótico. Ter um affaire era a maneira de satisfazer seus desejos, mas também de salvar o casamento, porque se permanecessem insatisfeitas talvez acabassem abandonando o parceiro em favor de outro mais competente sexualmente”. Para Esther Perel, no entanto, existe certa conexão entre a infidelidade feminina e a desigualdade entre os sexos ainda existente. “As mulheres perdem sua autonomia na família, com os filhos, no casal; porque durante séculos foi assim e porque ainda existe a ideia de que é ela quem deve cuidar das crianças e do marido. As mulheres quase sempre fazem o que devem, e poucas o que querem. Um affaire é uma das poucas vezes em que elas fazem algo para si mesmas. É nesses espaços secretos que, por fim, dão primazia ao seu valor e aos seus desejos em relação aos dos outros”, diz a socióloga, que reconhece que “as infidelidades têm pouco a ver com o sexo e muito com o desejo, por isso ocorrem até em relações abertas, onde supostamente há liberdade para experimentar tudo. O comentário universal que ouvi da boca de todas as pessoas que haviam traído seus parceiros era sempre o mesmo: “Eu me senti vivo de novo”. No fundo de um affaire sempre há uma necessidade de conexão emocional, novidade, liberdade, autonomia, intensidade sexual. Uma tentativa de recuperar a parte de nós que perdemos”. Alicia Gallotti é sexóloga, escritora e ex-porta-voz do site de relacionamentos Victoria Milán, criado inicialmente para facilitar aventuras para mulheres com parceiros, embora com o tempo tenha se democratizado para os dois sexos. Gallotti é autora do livro Soy Infiel, ¿y Tú?, lançado em 2012. Para escrevê-lo, a sexóloga entrevistou mais de 50 mulheres que se identificavam com o título da obra. “Na época não se falava muito sobre o assunto e lembro que depois do lançamento do livro muitas mulheres me agradeceram porque eu fizera com que se sentissem menos culpadas”, diz a autora. “Havia muitas razões para colocar chifres no parceiro, mas as mais comuns eram das senhoras, já maduras, que tinham se tornado invisíveis e procuravam ‘se encarnar’ novamente; outras queriam tornar realidade a fantasia sexual da infidelidade. Também havia a mulher que tinha sido enganada pelo marido, o havia perdoado e agora queria experimentar o mesmo e, claro, aquelas que viviam em casamentos assexuados, embora se dessem bem com o parceiro e não quisessem romper. O que era comum a todas é que buscavam apenas uma aventura passageira e evitavam que a coisa se alongasse ou tivesse implicações emocionais. Todas eram muito cautelosas, porque se fossem descobertas temiam perder a guarda dos filhos. Nós, mulheres, sempre fomos muito sibilinas. Viemos de séculos de marginalização e desenvolvemos uma habilidade especial para conseguir as coisas. Somos mais espertas para inventar desculpas e melhores na hora de destruir provas”. Concha, de 46 anos, que mora em Madri e é divorciada, viveu a traição em ambas as frentes. Como vítima e como autora da infidelidade. “Inculcam na gente a ideia de que chifrar é a pior coisa que te podem fazer em um relacionamento. Fui chifrada e perdoei; e com o tempo você vê que sobrevive, que não é o fim do mundo, embora eu ache que para o perdão é muito importante a forma e a duração da infidelidade. Não é tanto o que se faz, mas como se faz. Quando fui infiel não o fiz por vingança, mas para me dar ao luxo de realizar meus desejos e porque acho que praticando esse exercício evitarei odiar meu parceiro se ele fizer o mesmo, e porque assim terei menos oportunidades de me tornar uma mulher amargurada e ressentida pelas traições do marido, como algumas mulheres de antes”.
Toleramos pior a infidelidade
“Quando o casamento era um contrato financeiro, a infidelidade ameaçava a segurança econômica. Agora que o casamento é um acordo romântico, a traição ameaça nossa segurança emocional”, argumenta Perel. A infidelidade é o principal motivo da maioria dos divórcios e trair é extremamente fácil hoje; mas, além disso, a era digital (se aquele que trai não teve o cuidado e a delicadeza de apagar o rastro) nos permite acessar toda o histórico da traição. E-mails, fotos, postagens em redes sociais; enquanto que antes o espetáculo mais revelador que se podia assistir era ver uma mancha de batom no colarinho de uma camisa. “Hoje em dia nosso parceiro não é apenas nosso marido ou mulher; também é nosso companheiro, pai ou mãe de nossos filhos, nossa família, nosso partenaire sexual e até mesmo nosso colega de papos intelectuais. E perder tudo isso de repente pode ser extremamente doloroso, porque com isso também perdemos nossa identidade”, diz Perel. “O amor romântico é a nova religião, na qual depositamos todas as nossas esperanças e crenças, e o casal é um dos espaços em que muitas pessoas esperam poder se realizar e dar sentido às suas vidas; uma vez que a comunidade desapareceu e as ideologias também. As novas gerações, os filhos dos divorciados, estão procurando uma nova maneira de estar juntos e de durar mais, um modelo de relacionamento que traga estabilidade, desenvolvimento pessoal e liberdade”.
Fonte: EL PAÍS