Há 21 anos, Maria Trindade da Silva, 64, mora em uma casa dentro do Cemitério Parque da Saudade, em Iguatu, no interior do Ceará . Ela passou a residir no local em 2002 ao lado do marido, Francisco de Assis Vieira Sobral, que era coveiro. Agora, viuva há três meses, ela passa por problemas financeiros que a impedem de sair do local para viver com a família em outro estado. "Já moro aqui há 21 anos dentro desse cemitério. Vivi com meu marido e ele acabou adoecendo. Foi se agravando mais o problema. Ele acabou falecendo e eu fiquei só. Vivo de doações e estou querendo morar com minha filha no Rio Grande do Norte. Minha vida virou do avesso", relatou a mulher ao G1. Ela conta que, de início, tinha medo de dormir no cemitério, com receio de que as almas pudessem "puxar seus pés". “Eu pensava que não ia dormir à noite. Imaginava que as almas vinham puxar meus pés. Mas nunca aconteceu, e nunca vi nada que me assombrasse. Ando qualquer hora da noite aqui e olha que é escuro que só. Mas não tenho medo de quem morreu, tenho medo de quem está vivo”, explicou Maria. Apesar da morte do marido, Maria não fica totalmente sozinha no local: ela tem a companhia dos gatos e dos cachorros abandonados no cemitério que, juntos, somam mais de 100. A casa não fica no meio do cemitério - na verdade, ela é localizada de frente para a rua, com um portão no fundo, que dá acesso aos túmulos. Após 21 anos, o casal conseguiu se adaptar à rotina do endereço inusitado. Entretanto, o processo de morar no cemitério não foi isento de dificuldades, como a presença constante de insetos e aranhas-caranguejeiras. “Elas saem de dentro dos túmulos, e sou alérgica. Peguei uma alergia muito forte, e acabei mudando para outra casa por um tempo. Mas voltamos de novo. A gente foi se habituando. Hoje, está diferente, porque ele [o marido] era a única pessoa que tinha na vida”, desabafou.
Mudança
Maria pretende se mudar para São Miguel, no Rio Grande do Norte, para morar com a filha. Como ela não tem fonte de renda, conta com a ajuda da família para realizar a mudança. Francisco era empregado por uma empresa que gerencia o cemitério em regime de concessão pública e, por isso, Maria tentou receber a pensão após a morte do marido. No entanto, ela descobriu que, no sistema, ele não está registrado como contribuinte. Atualmente, ela vive de doações de pessoas que moram na região e conhecem sua história. Em nota, a empresa na qual Francisco trabalhou afirma que pagou a rescisão aos familiares e que prestou assistência funeral sem custo para a família. Além disso, acrescentou que ofereceu a ajuda necessária para a mudança de Maria para São Miguel. Maria rebate a declaração, e afirma que recebeu apenas R$ 500 por todos os anos de contribuição do marido. “Durante o dia vou levando a vida, mas, quando chega a noite, a solidão, a tristeza e o isolamento tomam conta de mim”, disse a mulher.