Rio de Janeiro (RJ) - Durante os 580 dias em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou preso em Curitiba, uma pessoa tinha acesso ao petista sem dia e hora marcada: o agente da Polícia Federal, Jorge Chastalo , de 46 anos. Chefe da escolta dos presos da Lava-Jato de Curitiba, Chastalo controlava a entrada e saída de advogados, políticos e familiares, além de acompanhar Lula em audiências e entrevistas. A convivência diária se transformou em amizade e, agora, o agente planeja registrar as memórias em um livro . O estalo para colocar no papel as histórias surgiu há pouco tempo. A ideia, segundo o agente, partiu do escritor cubano Leonardo Padura, autor do best-seller “O homem que amava os cachorros”, que vendeu mais de 50 mil exemplares no Brasil. O romancista, tido como um dos mais importantes autores cubanos contemporâneos, esteve com Lula numa tarde gelada em Curitiba no último dia 15 de agosto. Ao fim da visita, bateu um papo de 10 minutos com o agente, quando disse que ele teria a obrigação de relatar essa convivência. Ele (Padura) disse que eu tinha obrigação de escrever e que era uma testemunha da história. Para ele, isso se sobrepõe a qualquer outra questão – disse Chastalo, que se preocupa com as implicações legais de um livro sobre Lula, com quem, aliás, nunca tratou sobre tal possibilidade.
O GLOBO procurou Padura por meio da editora, mas não obteve resposta
Padura, diz o agente, não foi o único a tentar convencê-lo a escrever suas memórias. Em outra ocasião, um ex-senador petista que visitara Lula presenteou o agente com um livro sobre Nelson Mandela. “Isso é para você se inspirar”, disse ao policial. Tenho sido cobrado sobre isso por bastante gente, inclusive por colegas da Polícia Federal e amigos do Judiciário. Mas não quero me aproveitar disso. Tenho que ser o mais profissional possível – afirmou o agente. De perfil discreto e avesso aos holofotes, Chastalo não tratou com editoras sobre eventual publicação. Histórias, porém, não faltam. O convívio diário com o ex-presidente rendeu troca de impressões sobre vários assuntos, sobretudo de política. O agente se define como “mais de direita”, mas diz que a convivência com Lula o fez reavaliar posições. Hoje, afirma enxergar coisas boas na direita e na esquerda. Chastalo, no entanto, se recusa a dizer se Lula teve alguma influência em seu voto nas eleições presidenciais de 2018 – ele não revela sua escolha eleitoral. O contato entre o agente e o ex-presidente também resultou em influências literárias. Lula recomendou a Chastalo a leitura de livros como “Escravidão”, de Laurentino Gomes, e “Desigualdade e caminhos para uma sociedade mais justa”, de Eduardo Moreira. O agente retribuiu com a indicação de obras do israelense Yuval Harari. Segundo o agente, o petista leu os best sellers “Sapiens”, “Homo Deus” e parou no meio de ” 21 lições para o século 21″. Em suas obras, Harari alerta para o risco de que a inteligência artificial torne profissionais irrelevantes e ponha fim a diversos postos de trabalho. O assunto foi pauta de bate papo entre os dois na cadeia. Segundo o agente, nunca chegaram a uma solução sobre como proteger os empregos, ainda que Lula tenha insistido investimento em qualificação dos trabalhadores. Chastalo esteve com Lula pela primeira vez em maio de 2017, quando o acompanhou no interrogatório conduzido pelo então juiz Sergio Moro sobre o caso do tríplex do Guarujá, caso que o levaria à condenação e à prisão. Ao aparecer sempre ao lado do ex-presidente nas fotos, Chastalo chamou atenção nas redes sociais, onde ficou conhecido como “policial gato” e “Rodrigo Hilbert” da federal . Simpático, costuma ser abordado para selfies e autógrafos na porta da sede PF de Curitiba. Quando Lula foi preso e levado a Curitiba, em abril de 2018, o agente estava ao lado dele. Do alto, a bordo de um helicóptero com Lula, Chastalo acompanhou a reação do petista ao pousar no terraço da superintendência de Curitiba e ouvir os xingamentos de grupos de direita que o aguardavam. Também foi Chastalo quem acompanhou Lula no dia em que o desembargador Rogério Favreto, do TRF4, concedeu uma liminar para soltar o petista num domingo, decisão que acabaria sendo derrubada horas depois. O agente também viu a tristeza do ex-presidente ao receber a notícia sobre a morte de um neto, assim como o seu sorriso ao ser informado que seria solto, no dia 8. Em seu discurso após ser solto, o petista admitiu que fez amigos na prisão, mas preferiu não dar nomes, segundo ele para evitar possíveis “perseguições”.
Fonte: O GLOBO / Poptvnews