O catador de recicláveis Donizeth Rodrigues de Oliveira, de 58 anos, que teve contato com a radiação do césio-137, relata conviver com sequelas causadas pelo acidente. Ele tinha 20 anos de idade quando se aproximou do pó de coloração azul, sem saber que era césio, e que tinha chegado ao ferro-velho onde trabalhava, em Goiânia, em 13 de setembro de 1987, há exatos 35 anos. "Tenho vários problemas de saúde e já tive seis infartos. Tenho hérnia grande na barriga. Estou tentando sobreviver catando sucata. Isso que eu tenho para falar do césio-137", desabafou o catador. Na época, ele trabalhava no ferro velho que comprou as peças do aparelho de radioterapia abandonado. Dentro da máquina, tinha uma cápsula com um pó azul, era o césio-137, mas ele não sabia. "O dono comprou e disse que ia ficar rico. Eu sentia medo daquele negócio", comentou. Em paralelo ao tratamento de sequelas, outras vítimas do acidente travam batalhas na Justiça para tentar ganhar pensão do governo de Goiás por não conseguirem trabalhar ou para pagar o consumo de remédios. O presidente da Associação dos Militares Vítimas do Césio-137, Luiz Gonzaga Barros Carneiro, disse que tem 432 processos de militares, da Polícia Militar e dos Bombeiros, tramitando no Judiciário. "Nossa dificuldade é conseguir pensão para os militares envolvidos no caso, chamados de veteranos do césio. Atualmente, Goiás tem 754 beneficiários, entre civis e militares, que recebem pensão", comentou Gonzaga Barros. Segundo o último levantamento da associação, 132 militares morreram de câncer entre 1987 e agosto deste ano. Muitos não tiveram acesso a nenhum benefício, seja o recebimento de pensão ou a promoção de patente, conforme explicou Gonzaga. Sobre os processos judiciais que discutem pensão decorrente do evento césio-137, a Procuradoria- Geral do Estado (PGE) de Goiás informou em nota que todos dependem de perícias técnicas e médicas que demonstrem o nexo de causalidade entre acidente e o problema de saúde indicado. Em suma, a PGE atua para demonstrar que, nos casos em que não exista o nexo de causalidade da irradiação e da doença, não há direito ao recebimento de pensão. O Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara) é o órgão da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) responsável pelos atendimentos às vítimas do césio-137. Atualmente existem 1.397 pessoas que tiveram algum tipo de relação com o acidente. Destas, 959 fazem acompanhamento no centro.
São pessoas divididas em três grupos:
Grupo 1: São os contaminados, ou seja, pessoas que tocaram ou ingeriram o pó do Césio-137.
Grupo 2: Os irradiados. As pessoas que tiveram contato com os contaminados.
Grupo 3: São as pessoas que tiveram alguma relação com o acidente, como trabalhadores de desinfecção, vizinhos dos locais de foco e parentes dos primeiros grupos.
O acidente
O aparelho de radioterapia estava abandonado no desativado Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), na Avenida Paranaíba, no Centro de Goiânia, quando os catadores Wagner Mota Pereira e Roberto Santos o levaram até a na Rua 57, onde Roberto morava, e o desmontaram, a marretadas. O equipamento foi vendido a Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho, localizado no Setor Aeroporto. Seis dias depois, seu irmão, Ivo Alves Ferreira, viu a pedra que brilhava à noite e, encantado, levou fragmentos para casa. Além dele, um amigo de Devair, Ernesto Fabiano, também havia levado parte do material para casa e deu um pouco do pó para o irmão, Edson Fabiano, que levou o “presente” para a residência dele, também no Setor Aeroporto. Foram registradas oficialmente quatro mortes causadas pelo Césio-137. A primeira delas foi a filha do Ivo Alves Ferreira, dono do ferro-velho, a menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, que morreu em 23 de outubro de 1987, e se tornou um símbolo da tragédia. No mesmo dia, Maria Gabriela, que era tia da Leide, também morreu. As outras duas mortes confirmadas em decorrência do contato com o Césio-137 foram dos funcionários do ferro-velho Israel Batista dos Santos, de 20 anos, no dia 27 de outubro, e Admilson Alves de Souza, de 18 anos, que morreu no dia seguinte. Entre as pessoas que sobreviveram à contaminação estão os funcionários que trabalharam na limpeza dos lugares por onde o material radioativo passou, policiais militares, bombeiros militares e vizinhos do ferro-velho.
Focos de radiação
Sete pontos de Goiânia foram os mais atingidos pela contaminação. Evacuados na época, a maioria desses locais está ocupada atualmente. Grande parte dos moradores ainda vive na vizinhança, e se recorda da tragédia. Alguns ainda temem ser contaminados. No entanto, especialistas garantem que não há risco. O médico nuclear Neimar Lolli explicou que as pessoas que foram irradiadas, ou seja, chegaram perto do césio-137, que foi a fonte de radiação do acidente, não transmitem radiação para outras pessoas. "Não há risco nenhum. O césio-137 tem meia-vida de cerca de 30 anos. Para desaparecer completamente, uns 200 anos", comentou o Lolli. O médico explicou que a menina Leide das Neves foi a única fonte viva de radiação do mundo. Ela comeu o pó de césio e, por isso, passou a emitir radiação para quem chegasse perto. "Ela e outras pessoas tiveram a síndrome aguda da radiação, que acontece quando a pessoa tem contato físico com o pó, que causa queimaduras na pele e, no caso da Leide, que ingeriu, provocou úlceras e queimaduras nos órgãos internos", esclareceu Lolli.
Isolamento máximo
Os rejeitos do césio-137 estão enterrados em duas enormes caixas de concreto, em um depósito em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia. O espaço fica de uma área de 32 alqueires, dentro do Parque Estadual Telma Otergal, às margens da BR-060. Lá, foi construído o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste (CRCN-CO), que é vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Sua função é monitorar os rejeitos do césio e promover pesquisas na área ambiental ligadas à radioatividade. Em troca da concessão de 50 anos do governo do estado para funcionar no local, o CRCN-CO realiza procedimentos diversos como forma de contrapartida. Entre eles, estão pesquisas na área de saúde ligadas às questões nucleares e radiológicas. Também há programas de formação de estágio, bolsistas e projetos de pesquisas, além de um programa de monitoramento ambiental.