Sábado, 18 de
Maio de 2024
Estado

Espionagem

Relatório da PF aponta espionagem de Carlesse

Grupo seria responsável por vazar operações e monitorar se existiam grampos telefônicos contra o grupo político do ex-governador

Foto: Arte g1
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Cristiano Sampaio e o delegado Ênio Walcacer são investigados

20 abril, 2022

O relatório parcial da operação Éris, da Polícia Federal, revelou como funcionava uma central de espionagem instalada na Secretaria de Segurança Pública (SSP) para tentar monitorar investigações da Polícia Civil que evolvessem o governo de Mauro Carlesse (PSL). O grupo seria responsável por vazar informações sobre operações e verificar se existiam grampos telefônicos contra o grupo político do ex-governador. Na segunda-feira (18/4) seis delegados e quatro agentes da Polícia Civil tiveram o afastamento prorrogado por mais 60 dias. As investigações da PF apontaram que os pilares do grupo de espionagem eram o ex-secretário de Segurança Pública, Cristiano Sampaio Barbosa, que atualmente exerce o cargo de coordenador-geral de pesquisa e inovação da Secretaria Nacional de Segurança Pública; e o ex-diretor de inteligência da Polícia Civil, delegado Ênio Walcacer de Oliveira Filho. O relatório de 457 páginas, que a TV Anhanguera e o g1 tiveram acesso, descreve inúmeras interceptações de conversas entre os dois interlocutores. Em um dos trechos a Polícia Federal constatou que o Manual de procedimentos da Polícia Civil estava sendo utilizado como meio para monitorar as ações dos delegados que pudessem prejudicar os interesses do governo. Na época em que foi criado o manual sofreu diversos protestos e foi chamado de decreto da mordaça. Entre as medidas estava a proibição de realizar buscas em repartições públicas sem conhecimento e autorização do Delegado-Geral de Polícia, cargo político preenchido por indicação direta do governador. Em abril de 2019, diante da constatação que delegados haviam pedido à justiça que essa regra fosse desconsiderada durante a operação Catarse – que investigou funcionários fantasmas no governo -, o secretário afirmou que era preciso repreender os investigadores.

Cristiano Sampaio: Temos que apurar esses desvios. Se não houver reprimenda, vão continuar fazendo.
Durante a conversa, o diretor de inteligência afirmou que os delegados da antiga Delegacia de Repressão a Crimes de Maior Potencial contra a Administração Pública (Dracma) precisavam ser separados.

Ênio Walcacer: Entendo que os atores da Dracma têm que ser separados.
Cristiano Sampaio: E vamos ver se fazemos essa coletiva na próxima semana.
Ênio Walcacer: Está sendo feito.
Essa conversa aconteceu em abril de 2019. Meses depois a Dracma foi extinta e os delegados que investigavam esquemas de corrupção envolvendo aliados de Carlesse começaram a ser transferidos.

Vazamento de operações
Outros trechos de conversas mostram que o grupo também atuava monitorando operações da própria Polícia Civil e da Polícia Federal. O delegado Ênio Walcacer aparece diversas vezes alertando Sampaio sobre o cumprimento de mandados.

Ênio Walcacer: Chefe, notícias de uma grande operação essa semana.
Cristiano Sampaio: Mesma unidade? Capital?
Ênio Walcacer: Parece que continuação daquela da Seinfra.
Por vezes o secretário questionou o diretor de inteligência sobre qual juízo estava expedindo os mandados e quais eram os alvos. Em setembro de 2019, um novo alerta foi emitido:

Ênio Walcacer: Dr. bom dia! Há possibilidade de termos mais uma operação contra o governo em curso, creio que capitaneada pela Decor, estava tendo uma reunião entre [três delegados] e outros.
Cristiano Sampaio: Ok. Vamos permanecer atentos.
Ênio Walcacer: Além disso, informações que esses dias [um delegado] estaria monitorando algumas casas e alvos do governo na região central de Palmas.

O monitoramento de membros do governo, que estaria sendo feito por um delegado, inclusive, foi visto como um “problema”.

Ênio Walcacer: Manter [o delegado] no 1º Dpc abarca a área do palácio, Assembleia, secretarias e a residência de 90% das autoridades que ele monitora.

'Blacklist' do governo
Uma preocupação recorrente entre os interlocutores era consultar se integrantes da alta cúpula do governo estariam sendo monitorados por interceptações telefônicas. Por diversas vezes, Sampaio solicitou diretamente a Walcacer a verificação nos sistemas próprios da polícia se havia celulares sendo vigiados em investigações. Sampaio pediu consultas para o próprio número, para membros da alta cúpula do governo, telefones de empresas ligadas a Mauro Carlesse e até do próprio ex-governador. Na sequência determinou que os números fossem para uma "blacklist" que deveria ser checada constantemente para tornar a utilização dos números "segura".

O que dizem os citados
O delegado Ênio Walcacer afirmou, em nota, que só vai se manifestar nos autos do processo, quando e se for chamado. A defesa do ex-governador Mauro Carlesse afirmou que vai se posicionar apenas no processo. O g1 solicitou posicionamento para Cristiano Sampaio, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. Na época da nomeação dele para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, o Ministério da Justiça informou que "o inquérito está em andamento, não havendo nenhuma conclusão sobre as suspeitas levantadas. Por outro lado, o delegado de Polícia Federal Cristiano Barbosa Sampaio apresenta elevada experiência profissional e tem muito a contribuir".

Processo na Justiça Estadual
Os inquéritos da operação Éris, assim como da Hygea e Baco, levaram à renúncia do ex-governador Mauro Carlesse (PSL). Depois disto o ministro Mauro Campbell declarou a incompetência do STJ para continuar analisando parte das investigações contra o ex-governador Mauro Carlesse (PSL). O processo com as investigações contra o ex-goverandor Mauro Carlesse (PSL) foi recebido nesta segunda-feira (18) pelo Tribunal de Justiça do Tocantins. A distribuição deverá ser feita eletronicamente para uma das varas criminais com sede em Palmas. O Ministério Público Federal chegou a pedir a manutenção das investigações pela Polícia Federal, em razão da suposta organização criminosa ter cooptado a estrutura da Segurança Pública do Tocantins e da Polícia Civil, o que impediria a continuação das investigações de forma isenta. Só que o ministro entendeu que não tem mais a competência para decidir sobre isso e a continuidade das investigações pela Polícia Federal deverá ser decidida pelo juízo competente, ou seja, a vara da Justiça Estadual que receber os inquéritos. O novo magistrado responsável pelos inquéritos poderá rever as decisões já tomadas e determinar medidas que considerar mais adequadas.

Entenda
Estas investigações da Polícia Federal abalaram as estruturas do Palácio Araguaia em outubro do ano passado, levando ao afastamento de Mauro Carlesse e dezenas de servidores públicos, incluindo secretários e membros da Polícia Civil. Os indícios também levaram ao início do impeachment de Carlesse na Assembleia Legislativa do Tocantins. O pedido de abertura do processo, inclusive, foi aprovado por unanimidade na comissão especial e em primeiro turno no plenário. Porém, acabou sendo extinto após a renúncia do ex-governador duas horas antes da segunda votação no pleno da Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto).