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Pandemia

Após 1 ano do primeiro caso de Covid-19 em Goiás, estado vive a pior fase da doença com recorde de mortes e fila à espera por UTI

Com poucos vacinados, especialistas veem o isolamento como forma de barrar o crescimento desenfreado dos casos e evitar o colapso total do sistema de saúde: 'Não é terrorismo, é real'.

Foto: Reprodução/Redes sociais
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Algumas das mais de 9 mil vítimas da Covid-19 em Goiás

12 março, 2021

Goiânia (GO) -  Há um ano, Goiás registrava os primeiros casos de Covid-19. Desde então, mais de 9 mil goianos morreram por causa da doença. O recorde de óbitos em um dia é de 267, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES). O maior número de pessoas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais da rede estadual também é inédito: chegou a 1.183 em 8 de março. Mais de 300 infectados esperam, nesta sexta-feira (12/3), por um leito especial. As autoridades da área relatam que os números mostram que o momento atual é o pior já vivido no estado desde março de 2020 e também o mais difícil de fazer com que a população respeite as medidas de isolamento. Superintendente de Vigilância em Saúde de Goiás, Flúvia Amorim fez uma avaliação da sensação que teve durante o último ano à frente do combate à doença. “A sensação é de que passamos um ano navegando num mar revoltoso tentando salvar o maior número possível de vidas”, comparou. No entanto, mesmo depois de 9 mil mortes e mais de 400 mil casos confirmados da doença, a expectativa, segundo ela, não é de um “respiro” e sim de uma crise muito maior. Flúvia alertou que, se a contaminação continuar como está, há chances de, em poucas semanas, pacientes começarem a morrer sem conseguir o mínimo de atendimento médico. “Não é terrorismo, é real. Se a gente continuar com as taxas de transmissão do jeito que elas estão, vamos chegar num momento que nem atenção mínima vamos conseguir dar. E aí a gente vai ter, infelizmente, pessoas morrendo dentro de casa, dentro de ambulância”, disse.
Flúvia estimou que essa realidade de colapso total da Saúde pode acontecer já ao final deste mês ou início de abril, caso a taxa de transmissão continue como está. Atualmente, segundo ela, essa taxa, chamada de “R”, está entre 1 e 1,17 – o que significa que cada 100 pessoas infectadas transmitem a doença para até outras 170. De acordo com a superintendente, neste ano de luta contra a Covid-19, os hospitais sob gestão do estado passaram de 269 leitos de UTI em março de 2020 para 689 em março de 2021, ou seja, foram abertas 430 novas vagas e, ainda assim, há pacientes aguardando leitos. A superintendente destacou ainda que, mesmo que se multiplique a quantidade de leitos, metade das pessoas internadas com Covid-19 em UTIs acaba morrendo. "50% das pessoas que entram em leitos de UTI hoje vão a óbito, mesmo tendo toda a assistência necessária. Mesmo abrindo leito, eu vou ter aumento de morte se a transmissão continuar acelerada”, completou.

Avanço da Covid-19

O primeiro caso da doença em Goiás foi confirmado em 12 de março de 2020. No dia 19 do mesmo mês começaram as restrições. Segundo a superintendente, nessa época as pessoas ainda tinham medo da doença e foi mais fácil contar com a colaboração da população, que agia de forma preventiva. No intervalo de um mês foram registrados mais de 700 casos e quase 30 mortes. No mês de abril, algumas atividades voltaram a funcionar. Já no início de maio, o governador falou sobre publicar outro decreto com medidas "mais rígidas", no entanto, ele afirmou não ter recebido apoio dos municípios. Entre os meses de maio e junho, a SES registrou um aumento de mais de 15 mil casos da doença. No mesmo período, foram mais de 220 mortes. Em junho, mais serviços e comércios retornaram à ativa. No entanto, dias depois foi decretado funcionamento alternado de algumas atividades. Já no mês seguinte, outro decreto determinou a reabertura da maioria das atividades por “prazo indeterminado”. Continuaram proibidas boates, cinemas, entre outras. O número de casos de Covid-19 registrados pela SES aumentou em mais de 64 mil entre os meses de julho e agosto. Nesse período, mais de 1,4 morreram em decorrência da doença. Em agosto, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros se preparava para reabrir. No mês seguinte, o Tribunal de Justiça do estado de Goiás (TJ-GO) também retomou algumas atividades. Já em outubro voltaram a ser realizados eventos de negócios e os eventos sociais puderam ser retomados no mês seguinte. As Eleições 2020 também acontecerem nesse período, tendo levado as pessoas às urnas tentando manter ao máximo o distanciamento social e as medidas de higiene – como levar a própria caneta no dia de votar, o não uso da biometria e disponibilidade de álcool para as mãos. Entre os meses de outubro e novembro, o crescimento no número de casos foi de pouco mais de 24 mil e de mortes pouco mesno de 1 mil. Com dezembro se aproximando, os comércios viram aumentar a movimentação de clientes para compra de presentes de Natal. Já no início deste ano, para tentar conter o avanço da doença, o governo de Goiás propôs uma Lei Seca. Entre os meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021, o número de casos confirmados aumentou em mais de 41 mil. No período, mais de 680 morreram com a Covid-19. Para o carnaval, as autoridades de saúde também alertaram para a população evitar festas e aglomerações devido à pandemia. Os serviços públicos de Goiás e de algumas cidades goianas não tiveram ponto facultativo, também para evitar que as pessoas saíssem para situações que as colocassem em risco. Neste mês de março, com as unidades de saúde no limite de leitos, começaram a ser decretados novos fechamentos de atividades consideradas não essenciais. No entanto, houveram muitos flagrantes de lojas funcionando mesmo com a proibição, eventos sendo realizados. De janeiro para fevereiro, o número de infectados cresceu em mais de 45 mil e as mortes aumentaram em 1.031. Antes de completar a primeira quinzena do mês de março, Goiás já tem mais 30 mil diagnosticados com a doença e mais de 800 mortos infectados pelo coronavírus. Entre os principais pontos de aglomeração, está o transporte coletivo, que é um desafio para os gestores desde o início da pandemia. Mesmo com os novos decretos impondo o fechamento de várias atividades, as plataformas e ônibus continuaram aparecendo cheios pela Região Metropolitana de Goiânia.

Análise

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), José Alexandre Diniz trabalha com a projeção estatística de avanço da Covid-19 no estado, junto com outros dois colegas. Acompanhando essa curva de crescimento, ele alertou sobre a janela de tempo natural entre o momento que a pessoa é contaminada, o momento que ela apresenta sintomas e o momento em que ela precisa de um hospital. “Entre a pessoa ter o sintoma - isso porque ela demora alguns dias para apresentar os sintomas desde a infecção - até ela morrer é uma média de 20 dias. Então quando as pessoas percebem que há um problema, ele já é muito mais sério do que elas acham que é”, explicou. Há um período ainda maior a ser considerado entre o momento em que se impõe as medidas restritivas e o efeito delas nos números de infectados, internados e mortos. “Mesmo que os decretos tivessem um efeito muito bom, a gente só vê o efeito em 20 dias. Aí as pessoas vêm e falam: ‘o decreto não deu certo’, mas é porque não entendem essa lógica. Nesse período de aparecerem os efeitos, já pressionaram para tudo voltar a funcionar”, explicou.

Previsões

Avaliando as estatísticas, o professor também explicou sobre as previsões feitas até o final de 2020 pela equipe. Segundo ele, todas foram muito próximas da realidade e a última nota técnica emitida pelo estudo mostrou que em janeiro de 2021 os casos voltariam a subir – como de fato aconteceu. No entanto, segundo ele, a chegada das vacinas e de novas variantes do coronavírus inviabilizam a equipe de continuar fazendo as projeções, porque são variáveis sobre as quais ainda há poucas informações para levar em consideração em um estudo. "Por um lado, tem a vacina e a ‘quarentena’ que ajudam a diminuir um pouco a transmissão. Por outro lado, tem a chegada de novas variantes que a gente não sabe muito bem ainda a proporção das variantes. Se a variante ainda estiver em nível de disseminação baixo, ainda tem espaço para crescer. Se ela chegou há muito tempo, talvez não vá crescer muito mais. Então é uma incerteza muito grande”, disse.

Impacto

Segundo dados da SES, os trabalhadores que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 representam 3% das pessoas que foram infectadas pelo coronavírus. Além de estarem mais expostos ao risco de contaminação, porque lidam com pessoas infectadas durante todo o dia de serviço, eles sofrem também física e emocionalmente por verem a realidade da doença de perto. A enfermeira Marina Freitas está há seis anos na profissão e disse que os últimos seis meses em que trabalhou com pessoas infectadas pelo coronavírus foram os mais desgastantes. Ela se lembra de cada paciente que perdeu, das pessoas que pediram para falar com a família uma última vez antes de serem entubadas e que tudo isso marca. “As pessoas ficam desesperadas vendo seus familiares e implorando por uma vaga que não tem. Ver isso é muito difícil, ainda mais trabalhando em jornadas exaustivas e com hospitais lotados. É pesado emocionalmente e fisicamente", relatou. Durante o último ano, acompanhamos casos de pessoas que perderam famílias inteiras para a Covid-19. O prefeito eleito de Goiânia, Maguito Vilella, morreu pouco depois de tomar posse e já havia perdido duas irmãs para a doença em intervalo curto de tempo. Outra história que ficou marcada foi da família do cantor André Junio, que morreu vítima da doença dois dias depois de perder a esposa grávida, também infectada pelo coronavírus. Além das pessoas que receberam atendimento e, ainda assim, não resistiram à doença, há aqueles que morreram esperando por uma vaga de UTI. Segundo dados da SES, cerca de 200 pessoas morreram nessa situação entre março e novembro de 2020. À época da divulgação do dado, a Secretaria explicou que, mesmo não faltando leitos, muitas vezes as vagas não atendiam à necessidade do paciente. Neste início de ano, com os hospitais públicos e privados com lotações próximas a 100%, a falta de vagas tem levado pessoas a morrerem antes mesmo de conseguir o leito que precisam. Foi o que denunciou uma moradora de Campos Belos de Goiás, no nordeste goiano. Segundo ela, o pai e a mãe morreram esperando por vagas. O mesmo aconteceu com o idoso Antônio Soares França, que aguardou por três dias um leito de UTI em Alto Horizonte, no norte goiano, mas não resistiu. Thaynara Lorrane Silva Martins também é enfermeira e confirmou que o mais difícil tem sido ver as pessoas precisando de ajuda de forma tão desesperada. Segundo ela, a situação atual é muito pior da que viveram no pico da pandemia em 2020. “Hoje vivo meu pior momento como enfermeira. O sistema de saúde está um caos. [...] Você ouvir pessoas pedindo ‘pelo amor de Deus’ por um leito de UTI é muito doloroso. São situações que nunca imaginei viver, nem no pior filme de catástrofe mundial. É doloroso falar, desesperador, angustiante”, afirmou. Segundo a infectologista Ana Carolina, mesmo dando tudo de si, a sensação diante da situação é de impotência. “Tantas pessoas adoecendo ao mesmo tempo, a gente não tem leito ou capacidade humana para atender adequadamente. Isso é devastador. Impossível oferecer o atendimento adequado e você sente que não consegue exercer seu trabalho como deveria”, contou.
A diretora-técnica do Hospital de Campanha de Goiânia, Marina Roriz, também compartilha desse sentimento das enfermeiras. Segundo ela, o mais difícil é se dedicar ao máximo durante horas de trabalho, sair na rua para voltar para casa e ainda ver pessoas desrespeitando as regras de segurança em saúde. “O mais difícil é a gente dar o máximo da gente no hospital e ver as pessoas não acreditando, parece que negando o que está acontecendo. [...] A sensação é essa de enxugar gelo. Você vê um monte de coisa acontecendo no hospital e lá fora só encontra mais pessoas correndo risco”, contou. A enfermeira Marina disse ainda que espera que a população desenvolva consciência para que todo o trabalho feito pelos profissionais de saúde tenha ainda mais efeito. “Não existe nenhuma arma como uma população consciente, empática. Temos que nos conscientizar antes que a doença bata à nossa porta, leve a nossa saúde, nossa família”, afirmou.