O Supremo Tribunal Federal formou maioria para condenar o deputado bolsonarista Daniel Silveira, do PTB, por atos antidemocráticos e ameaças ao STF e seus ministros. O resultado pode fazer com que Silveira perca o mandato e fique inelegível. Daniel Silveira é réu no Supremo desde abril do ano passado, por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições, entre elas o STF. É acusado pela Procuradoria-Geral da República de coação, incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e de tentar impedir o livre exercício dos poderes da União.
Daniel Silveira acumula polêmicas
Em vídeo divulgado na internet, o deputado defendeu o fechamento do Supremo, o que é inconstitucional, e também fez apologia ao AI-5, o ato mais duro da ditadura militar, que permitiu o fechamento do Congresso e a retirada de direitos e garantias constitucionais dos cidadãos. Foi preso em fevereiro do ano passado, solto no mês seguinte, mas descumpriu medidas restritivas e voltou para a prisão. Em novembro, saiu da cadeia e novamente descumpriu as medidas restritivas. A Procuradoria-Geral da República pediu e o ministro Alexandre de Moraes determinou a volta do uso da tornozeleira eletrônica no fim do mês passado. Silveira chegou a se refugiar no Congresso, mas acabou cumprindo a determinação depois que Alexandre de Moraes impôs pagamento de multa diária. O julgamento começou com quase uma hora e meia de atraso por que o advogado de Daniel Silveira não apresentou certificado de vacinação nem teste negativo de Covid, como manda o protocolo do Supremo cumprido por todos. Só depois de feito um exame oferecido pela STF, o julgamento pode começar. A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, citou diversos crimes cometidos pelo deputado. Segundo Lindôra, as condutas tentaram impedir o funcionamento de um poder constituído - no caso o Supremo Tribunal Federal - e ameaçaram os próprios ministros do STF com o objetivo de impedir que eles exercessem suas funções. Classificou essas condutas de intoleráveis e inconcebíveis. Lindôra Araújo afirmou ainda que a imunidade parlamentar não pode ser usada para acobertar ataques a instituições, e que as ameaças colocaram em risco a própria existência do Estado Democrático. “Se faz claro o apelo e incentivo à violência concreta contra autoridades representantes dos poderes constituídos e as instituições e o próprio réu em pessoa dá curso a graves ameaças. Um modus operandi contrário à dignidade do ser humano e a sua integridade física ou moral. O denunciado tinha condições de saber que os vídeos que gravou estariam acessíveis a qualquer cidadão que quisesse assisti-los e que ao externar aquelas expressões ameaçadoras e criminosas para depreciar estava a apelar a intimidação e a agressão de ministro do Supremo Tribunal Federal e da própria instituição”, disse Lindôra. O advogado de defesa, Paulo César Rodrigues de Faria, criticou a prisão preventiva de Daniel Silveira, argumentando que deputado só pode ser preso em flagrante. Por várias vezes, afirmou que o processo não respeitou a Constituição e violou o ordenamento jurídico. Afirmou que Daniel Silveira fez críticas duras às instituições democráticas, mas que está protegido pela prerrogativa da imunidade parlamentar e apenas exerceu a sua liberdade de expressão. “Está sendo julgado aqui um inocente que utilizando a sua imunidade parlamentar formal e material, e lá está escrito, no artigo 53, ‘quaisquer’ palavras e votos. Então, quaisquer precisa ser imediatamente substituído porque foi entendimento dessa Corte quando recebeu a denúncia que o parlamentar cometeu crimes. Crimes de quê? De crítica? De ironia?”, disse. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou por condenar Silveira a oito anos e nove meses de reclusão, a pagamento de multa de cinco salários mínimos, à perda do mandato e à suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação. Durante o voto, Alexandre de Moraes disse que o deputado desrespeitou de forma continuada as medidas cautelares, tratando a Justiça de forma jocosa. E que, como parlamentar, não poderia colocar em risco a própria democracia que o elegeu. Alexandre de Moraes ressaltou ainda que não se pode confundir liberdade de expressão com ataques ao Estado Democrático, o discurso de ódio e a prática de crimes. “A Constituição garante liberdade com responsabilidade. A Constituição não garante a liberdade de expressão como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas, para discurso de ódio, para discurso contra a democracia, para discurso contra as instituições. Esse é o limite do exercício deturpado de uma liberdade inexistente de expressão”, afirmou. Durante o voto, Moraes destacou algumas das ameaças concretas feitas pelo réu, Daniel Silveira. “Passa o réu a dizer, a instigar o povo: ‘O povo deve entrar, o povo entre dentro do Supremo Tribunal Federal, agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho e sacuda a cabeça de ovo dele e jogue dentro de uma lixeira’. E é importante porque posteriormente, no próprio interrogatório, o réu faz um paralelo disso com algo que aconteceu na Ucrânia, em que em determinados momentos, não agora, anteriormente nas revoltas da Ucrânia, o povo retirava agentes públicos das repartições, surrava, matava e jogava em lixeiras. Ou seja, aqui não tem nada de jocoso, absolutamente nada de jocoso”, disse. O ministro Nunes Marques, revisor da ação, abriu a divergência e votou por absolver Daniel Silveira. Ele entendeu que não há crime na conduta de Silveira, apesar de acreditar que o deputado extrapolou os limites do tolerável no que considerou somente ofensas a colegas da Corte e à própria instituição. Mas classificou as falas de Silveira como bravatas. “O que se vê aqui são bravatas que de tão absurdas jamais serão concretizadas. É certo que o que o acusado fez é difícil de acreditar, especialmente partindo da pessoa de um parlamentar federal, de quem se espera um mínimo de postura e respeito. Extrapolou, e muito, a toda evidência, os limites do tolerável em sua postura. Todavia, não é possível, conforme se demonstrou, extrair o delito do Artigo 344 do Código Penal de sua conduta, em que pese, seja ela extremamente reprovável, inaceitável para um deputado federal, e que, tolerado pelos seus pares, mancha aquela Casa”, afirmou. O ministro André Mendonça também votou pela condenação de Daniel Silveira, mas apenas em um crime: uso de violência ou grave ameaça contra autoridade para favorecimento próprio. Com isso, Mendonça defendeu uma pena de dois anos e quatro meses de reclusão. “Por encamparem incentivo a práticas irresponsáveis e violentas por outros e terem o potencial de ensejar eventuais tentativas de articulação para ações ilegítimas e até mesmo agressivas contra o Supremo ou seus integrantes. Em todas elas entendo estar nítido o dolo de intimidação. Considero à luz do Artigo 59 do Código Penal como circunstâncias desfavoráveis ao acusado a culpabilidade, porque por ser deputado federal, pessoa respeitada pelos eleitores e simpatizantes, e da qual se espera serenidade, decoro e responsabilidade no exercício do cargo, ele se mostrou, com a devida vênia, justamente em sentido contrário”, disse. Em seguida, votaram os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux, que acompanharam integralmente o relator. O placar final foi de nove votos pela condenação de Daniel Silveira a oito anos e nove meses de prisão; um voto para uma pena de dois anos e quatro meses; e um pela absolvição. O Ministério Público Federal denunciou três assessores de Daniel Silveira por entregarem dois celulares ao deputado federal enquanto ele estava preso, em fevereiro do ano passado. Segundo a Procuradoria, imagens de câmeras de segurança mostram Silveira recebendo os aparelhos na Superintendência da Polícia Federal no Rio. O MPF propôs que Mário Sérgio de Souza, Pablo Diego Pereira da Silva e Rafael Fernando Ramos paguem multa de R$ 10 mil cada ou cumpram pena de três meses a um ano de prisão.