Goiânia (GO) - O Ministério Público de Goiás investiga se R$ 120 milhões doados por fiéis foram desviados da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia. De acordo com a denúncia, o dinheiro pode ter sido usado para compras de bens luxuosos, entre eles, uma fazenda de R$ 6 milhões em Abadiânia, no leste de Goiás, e uma casa de praia, no valor de R$ 3 milhões, em Guarajuba (BA). A Operação Vendilhões cumpriu, na sexta-feira (21/8), 16 mandados de busca e apreensão, inclusive, em imóveis ligados ao padre Robson de Oliveira Pereira, fundador e presidente da Afipe, além de reitor do Santuário Basílica de Trindade, que atrai milhares de devotos do Divino Pai Eterno. Segundo os advogados que representam a Afipe e o padre, a defesa ainda não teve acesso a todos os documentos, mas afirma que todos os negócios da associação "são contabilizados e documentados". Eles informaram ainda que o religioso está "chateado com acusações, mas tranquilo". Ainda de acordo com a defesa, a Afipe e o padre estão à disposição do Ministério Público e colaborando com as investigações. Na decisão da Justiça que autoriza os mandados cumpridos na operação, consta que o MP descobriu que a Afipe transferiu mais de R$ 32 milhões para uma empresa imobiliária entre setembro de 2016 e janeiro de 2018. A companhia citada, segundo as investigações, foi aberta um dia antes de receber a primeira transferência da associação. O documento também relata que, segundo o MP, a Afipe comprou uma fazenda em Abadiânia, no leste de Goiás, pelo valor de R$ 6,3 milhões, em 2016, tendo vendido a propriedade pelo mesmo valor, três anos depois, a uma empresa administradora de bens que é investigada na operação. De acordo com ação, no ano de 2014, uma casa na praia de Guarajuba, na Bahia, foi comprada à vista pela associação. Segundo a denúncia do Ministério Público, Robson criou "várias associações com nome de fantasia Afipe ou similar, com a mesma finalidade, endereço e nome”. Conforme o MP, as filiadas da Afipe também são voltadas para a “evangelização por meio da TV, para obras sociais e para a construção da Nova e Definitiva Casa do Pai Eterno, em Trindade” e que, para esse fim, recebem doações de fiéis de todo o Brasil. Entre anos de 2016 a 2018, os donativos atingiram um montante de mais R$ 746 milhões. A investigação apura se, em três anos, a Afipe desviou cerca de R$ 120 milhões para empresas e pessoas investigadas. Segundo o secretário de Segurança Pública, Rodney Miranda, o volume de dinheiro movimentado “pressupõe ilegalidade”. Em uma década, os investigadores calculam uma movimentação de quase R$ 2 bilhões nas contas bancárias. “O volume de dinheiro pressupõe alguma ilegalidade ou irregularidade. Mesmo se o Brasil todo resolvesse ser bondoso e caridoso com a construção dessa nova basílica e fizesse doações, dificilmente, chegaríamos a esses bilhões que estão sendo investigados. ”, disse.
Contudo, os advogados de defesa afirmam que os negócios da associação "nunca foram para pessoa física". "Todos os negócios da Afipe são contabilizados e documentados e já são de conhecimento do MP. Eles estão ali com escriturações próprias, são negócios que existem e são aplicados em negociações”, afirmou Klaus.
Caso de extorsão originou ação
De acordo com o MP, a investigação começou há dois anos, por conta de outra investigação vinculada ao padre Robson. Conforme o apurado, na ocasião, o religioso foi extorquido durante dois meses, em março e abril de 2017, e "utilizou indevidamente recursos provenientes de contas das associações que preside". Um hacker chegou a ser condenado por extorquir R$ 2 milhões do padre, ameaçando revelar um suposto caso amoroso do religioso. Porém, a polícia apontou que as mensagens usadas para extorquir o padre eram falsas. De acordo com as investigações, o dinheiro foi repassado por transferências bancárias e entregas em espécie. Os pagamentos eram feitos em quantias de R$ 50 mil a R$ 700 mil. Em alguns casos, o valor era deixado dentro de um carro na porta de um condomínio ou no estacionamento de um shopping da capital. Uma das entregas foi supervisionada pela Polícia Civil a fim de identificar e localizar todos os criminosos. À época, a Afipe disse que “não teve nenhum prejuízo financeiro e todo o valor voltou para a instituição”. A decisão que autorizou os mandados, porém, destaca que dos R$ 2,9 milhões retirados da Afipe para fazer o pagamento, quase a metade - R$ 1,2 milhão - não foi recuperado, ocasionando prejuízo à entidade. Consta ainda na decisão que, foi a partir desses pagamentos, verificados durante investigação policial, que chegaram a uma "rede de envolvidos muito maior, com apropriações e negociações envolvendo os bens da associação". “Nós nos deparamos com ‘grande teia’ de movimentação financeira, de imóveis, e a partir disso, fizemos o pedido de busca e apreensão para continuar investigação. (...) Verificou-se que ocorreram pagamentos de contas da Afipe para pagar valores cobrados do padre”, disse o promotor de Justiça Sebastião Marcos Martins. Sobre o possível pagamento de extorsão com dinheiro da Afipe, os advogados de defesa do padre disseram que o caso foi defendido por outra advogada e que "não sabem" informar detalhes.
Buscas e apreensões
Em uma coletiva de imprensa na tarde desta sexta-feira, promotor de Justiça Sebastião Marcos Martins, que é coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), disse os mandados foram expedidos em março, mas a operação precisou ser adiada por causa da pandemia de coronavírus. Os mandados foram cumpridos na sede da Afipe, empresas e residências em Goiânia e Trindade. A reportagem apurou que entre os imóveis ligados ao padre Robson está uma chácara de luxo, com piscina aquecida. A Justiça também determinou o bloqueio de R$ 60 milhões em bens das associações ligadas ao religioso. Ainda segundo Sebastião, após o cumprimento das buscas e apreensões nesta sexta-feira, foram apreendidas quantias de dinheiro na Afipe e com o Padre Robson. O valor não foi divulgado.
Crimes investigados:
Apropriação indébita
Lavagem de dinheiro
Falsificação de documentos
Sonegação fiscal
Associação criminosa
Padre Robson está 'chateado' com acusações
Segundo o advogado Pedro Paulo Medeiros, padre Robson está "chateado com acusações, mas tranquilo". Segundo o cliente lhe informou, “aquele que anda com verdade não tem o que temer com acusações”. Ainda de acordo com a defesa, a Afipe e o padre estão à disposição do Ministério Público. Também advogado de defesa, Klaus Marques explicou que foi preciso criar diversas filiais da Associação Filhos do Pai Eterno para ajudar a manter os lucros necessários para chegar a uma evangelização "maior". Ele reforçou que não há ilegalidade nos procedimentos. "Para chegar nessa evangelização do maior e do melhor modo possível, precisávamos de investimento, e esses investimentos nunca foram só bancários, muitos foram em atividades. Quando a Afipe adquire uma fazenda, por exemplo, para criar gado, tira dali lucro para manter as suas atividades, o que é completamente lícito e dentro do que o seu estatuto determina e autoriza, ela tem que abrir uma filial e tem um CNPJ diferente", explicou o advogado. Natural de Trindade, padre Robson, de 46 anos, é uma figura presente na cena católica. Ele também tem um programa em que promove momentos de reflexão com base em trechos da Bíblia e experiências pessoais, além de conselhos àqueles que pedem orientação religiosa.
Afipe e Romaria
Fundada pelo padre, a Associação Filhos do Pai Eterno mantém um canal de TV e também transmite missas em uma rádio. Além de toda a programação religiosa, a Afipe é responsável pela Romaria do Divino Pai Eterno, principal festa religiosa de Goiás e considerada uma das maiores celebrações religiosas do mundo. Ao longo de dez dias, são realizadas cerca de 100 missas e mais de 40 novenas, além de procissões, batizados, vigílias, alvoradas e confissões durante os dez dias de festa. O evento reúne milhões de pessoas todos os anos. Em 2019, a romaria recebeu cerca de 3 milhões de fiéis de todo o Brasil e até do exterior. Neste ano, a celebração foi cancelada por causa da pandemia. Segundo dados da Afipe, os trabalhos são mantidos por doações de fiéis. O evento também é responsável por movimentar a economia da cidade, que se mantém praticamente à base do turismo religioso, criado, principalmente, em torno da Basílica.
Nova Basílica
É por meio da doações de fiéis que a Afipe está construindo, desde 2012, uma nova Basílica em Trindade. A expectativa inicial era de que ela fosse concluída até 2022. Todavia, em 2018, essa previsão foi adiada para 2026. A estimativa inicial era de que a obra custasse mais de R$ 100 milhões, a serem custeados por meio de donativos de fiéis e empresários. O projeto prevê uma obra grandiosa: do alicerce até a cúpula, a basílica deve ter 94 metros de altura, o equivalente a um prédio de 30 andares, em uma área total de 120 mil metros quadrados. Há dois anos o maior sino do mundo começou a ser feito para ser instalado justamente no templo. Feito na Cracóvia, cidade da Polônia, o objeto tem 4 metros de altura, 4,5 metros de diâmetro e 55 toneladas. O sino, chamado de Vox Patris, em homenagem ao Divino Pai Eterno, é composto 78% por cobre e 22% por estanho e conta com imagens em fundição, na parte externa, que narram a história da Santíssima Trindade desde 1840 até a construção do santuário em Trindade. A primeira capela construída em Trindade, em 1843, também é um ponto de atração e templo de devoção. Em 1912, o local foi reformado e inaugurado o primeiro Santuário, atualmente conhecido como Santuário Velho ou Igreja Matriz, sede da Paróquia do Divino Pai Eterno. No mesmo ano, a Matriz foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 2013, recebeu um novo tombamento, dessa vez como Patrimônio Cultural Material do Brasil.
Fontes: www.poptvnews.com.br / Colaboradores