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Há 10 anos, A Rede Social antecipou as verdades e mentiras que vivemos hoje

Rede Social explora a obsessão de Zuckerberg pelo reconhecimento da sociedade em torno de seus feitos, que quase sempre são distorcidos por ele mesmo

Foto: Merrick Morton/Columbia TriStar Marketing Group, Inc
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Jesse Eisenberg como Mark Zuckerberg em A Rede Social

15 abril, 2020

p/  Thiago Romariz

 É comum olharmos para o passado e ver que, após um grande acontecimento ou mudança social, o cinema replica medos, sonhos e os traços de personalidade das pessoas que vivenciaram tal época. Difícil é encontrar um filme como A Rede Social, lançado em 2010, que antecipou verdades e mentiras do que vivemos hoje. Ironicamente, o filme usa uma narrativa com poucos fatos, leituras controversas, mas se sustenta pelo objetivo claro: dissecar uma geração a partir da exposição e egocentrismo representada pela figura de Mark Zuckerberg. O filme dirigido por David Fincher e escrito por Aaron Sorkin trouxe elementos que marcaram a carreira de ambos de diferentes maneiras. Sorkin, vindo da TV, adaptou no longa o livro The Accidental Billionaires e popularizou seu estilo de diálogo acelerado, personagens que entrelaçam narrativas em falas afiadas e pouco tempo de respiro. Para Fincher, cineasta consagrado à época, o amadurecimento veio no estilo de direção e composição de personagens no meio de uma mensagem tão importante quanto à de A Rede Social. A atmosfera noir de seus thrillers anteriores aqui é imposta aos quartos de universidades e salas de tribunais, ambientação que casou perfeitamente com o texto de Sorkin. Resumir a importância de um filme como este pelas frases dos protagonistas soa simplório, porém a força que certas afirmações do agoniante Mark de Jesse Eisenberg são fortes demais para ser ignoradas. "Clubes são exclusivos, divertidos e nos levam para uma vida melhor", diz o criador do Facebook logo na primeira cena, revelando o principal motivo para criar a plataforma. Ao mesmo tempo, ele discute com a futura ex-namorada que ambos falam por códigos, se conversam, mas não se entendem e, na verdade, buscam coisas diferentes, porém vestidos com a realidade que lhes é proporcionada pelo ambiente da universidade. No terceiro ato, fica evidente que o desejo de Zuckerberg ao criar o Facebook é criar a narrativa ideal para ele dentro de um ambiente onde suas virtudes e vitórias se tornam verdades incontestáveis, assim como num clube de universidade ao qual ele tanto quis entrar, mas onde não era aceito. Neste contexto, a Rede Social explora a obsessão (outra palavra muito usada por Sorkin no roteiro) de Zuckerberg pelo reconhecimento da sociedade em torno de seus feitos, que quase sempre são distorcidos por ele mesmo. Independentemente da genialidade acerca da criação em si, estes aspectos de distorção e o esforço para criar a própria narrativa, sempre ignorando fatos (teoricamente) incontestáveis, são a marca de uma geração inteira criada com redes sociais. O que antes parecia ser um comportamento fútil e um traço da personalidade de inúmeras pessoas que vivem e/ou viviam por likes e comentários, hoje se tornou regra na ordem política mundial. Líderes de nações criam suas versões do mundo a partir de visões próprias dos fatos e, com a ajuda de redes como Facebook e WhatsApp, brigam com qualquer possibilidade de contestação, pois seus clubes corroboram suas versões, assim como o público comprou a versão de Zuckerberg para o que é uma rede social, querendo ou não. A antecipação das verdades que o filme traz sobre a vida atual só não é mais forte do que as mentiras que ele nos revela - tal qual o escândalo Cambridge Analytica comprovou. Por muito tempo, talvez, nós ignoramos os fatos explorados em A Rede Social por achar que a futilidade das redes seria passageira, que se tratava de ego. E por mais que ainda exista esse elemento, evidenciado todos os dias nas redes de governos ao redor do mundo, poucos notaram que o Facebook iria além do caderno de retratos digital e se tornaria uma ferramenta de manobra cultural, social e política como Sorkin, Fincher e Cia enxergaram.

*Thiago Romariz é jornalista, professor, criador de conteúdo e atualmente head de conteúdo e PR do EBANX. Omelete, The Enemy, CCXP, RP1 Comunicação, Capitare, RedeTV, ESPN Brasil e Correio Braziliense são algumas das empresas no currículo. Em 2019, foi eleito pelo LinkedIn como um dos profissionais de destaque no Brasil no prêmio Top Voice.

Fonte: Yahoo Notícias / Poptvnews