O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se emocionou ao discursar em sua diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Realizada nesta segunda-feira (12/12), a cerimônia serve para oficializar o resultado das eleições. Ao relembrar sua primeira diplomação, em 2002, o petista não segurou as lágrimas ao falar da “ousadia do povo brasileiro” em conceder a Presidência da República a alguém sem formação superior. “Em primeiro lugar, quero agradecer ao povo brasileiro pela honra de presidir pela terceira vez o Brasil. Na minha primeira diplomação em 2002, lembrei da ousadia do povo brasileiro em conceder para alguém tantas vezes questionados por não ter diploma universitário, um diploma....”, pausou, com a voz embargada. Ao interromper a fala, Lula foi ovacionado pelos presentes que, sob aplausos, entoaram “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”. “Eu quero pedir desculpas a vocês pela emoção, porque quem passou o que eu passei nos meus últimos anos, estar aqui agora é a certeza de que Deus existe [...] Eu sei o quanto custou, não apenas a mim, mas ao povo brasileiro essa espera para reconquistarmos a democracia nesse país". O petista ainda afirmou que, junto com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), se esforçará para cumprir os compromissos que assumiu na campanha eleitoral e também durante toda a sua vida.
Leia, na íntegra, discurso do presidente eleito:
Em primeiro lugar, quero agradecer ao povo brasileiro, pela honra de presidir pela terceira vez o Brasil. Na minha primeira diplomação, em 2002, lembrei da ousadia do povo brasileiro em conceder – para alguém tantas vezes questionado por não ter diploma universitário – o diploma de presidente da República. Reafirmo hoje que farei todos os esforços para, juntamente com meu vice Geraldo Alckmin, cumprir o compromisso que assumi não apenas durante a campanha, mas ao longo de toda uma vida: fazer do Brasil um país mais desenvolvido e mais justo, com a garantia de dignidade e qualidade de vida para todos os brasileiros, sobretudo os mais necessitados. Quero dizer que muito mais que a cerimônia de diplomação de um presidente eleito, esta é a celebração da democracia. Poucas vezes na história recente deste país a democracia esteve tão ameaçada. Poucas vezes na nossa história a vontade popular foi tão colocada à prova, e teve que vencer tantos obstáculos para enfim ser ouvida. A democracia não nasce por geração espontânea. Ela precisa ser semeada, cultivada, cuidada com muito carinho por cada um, a cada dia, para que a colheita seja generosa para todos. Mas além de semeada, cultivada e cuidada com muito carinho, a democracia precisa ser todos os dias defendida daqueles que tentam, a qualquer custo, sujeitá-la a seus interesses financeiros e ambições de poder. Felizmente, não faltou quem a defendesse neste momento tão grave da nossa história. Além da sabedoria do povo brasileiro, que escolheu o amor em vez do ódio, a verdade em vez da mentira e a democracia em vez do arbítrio, quero destacar a coragem do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que enfrentaram toda sorte de ofensas, ameaças e agressões para fazer valer a soberania do voto popular. Cumprimento cada ministro e cada ministra do STF e do TSE pela firmeza na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral nesses tempos tão difíceis. A história há de reconhecer sua coerência e fidelidade à Constituição. Essa não foi uma eleição entre candidatos de partidos políticos com programas distintos. Foi a disputa entre duas visões de mundo e de governo. De um lado, o projeto de reconstrução do país, com ampla participação popular. De outro lado, um projeto de destruição do país ancorado no poder econômico e numa indústria de mentiras e calúnias jamais vista ao longo de nossa história. Não foram poucas as tentativas de sufocar a voz do povo. Os inimigos da democracia lançaram dúvidas sobre as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é reconhecida em todo o mundo. Ameaçaram as instituições. Criaram obstáculos de última hora para que eleitores fossem impedidos de chegar a seus locais de votação. Tentaram comprar o voto dos eleitores, com falsas promessas e dinheiro farto, desviado do orçamento público. Intimidaram os mais vulneráveis com ameaças de suspensão de benefícios, e os trabalhadores com o risco de demissão sumária, caso contrariassem os interesses de seus empregadores. Quando se esperava um debate político democrático, a Nação foi envenenada com mentiras produzidas no submundo das redes sociais. Eles semearam a mentira e o ódio, e o país colheu uma violência política que só se viu nas páginas mais tristes da nossa história. E no entanto, a democracia venceu. O resultado destas eleições não foi apenas a vitória de um candidato ou de um partido. Tive o privilégio de ser apoiado por uma frente de 12 partidos no primeiro turno, aos quais se somaram mais dois na segunda etapa. Uma verdadeira frente ampla contra o autoritarismo, que hoje, na transição de governo, se amplia para outras legendas, e fortalece o protagonismo de trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, cientistas e lideranças dos mais diversos e combativos movimentos populares deste país. Tenho consciência de que essa frente se formou em torno de um firme compromisso: a defesa da democracia, que é a origem da minha luta e o destino do Brasil. Nestas semanas em que o Gabinete de Transição vem escrutinando a realidade atual do país, tomamos conhecimento do deliberado processo de desmonte das políticas públicas e dos instrumentos de desenvolvimento, levado a cabo por um governo de destruição nacional. Soma-se a este legado perverso, que recai principalmente sobre a população mais necessitada, o ataque sistemático às instituições democráticas. Mas as ameaças à democracia que enfrentamos e ainda haveremos de enfrentar não são características exclusivas de nosso país. A democracia enfrenta um imenso desafio ao redor do planeta, talvez maior do que no período da Segunda Guerra Mundial. Na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos, os inimigos da democracia se organizam e se movimentam. Usam e abusam dos mecanismos de manipulações e mentiras, disponibilizados por plataformas digitais que atuam de maneira gananciosa e absolutamente irresponsável. A máquina de ataques à democracia não tem pátria nem fronteiras. O combate, portanto, precisa se dar nas trincheiras da governança global, por meio de tecnologias avançadas e de uma legislação internacional mais dura e eficiente. Que fique bem claro: jamais renunciaremos à defesa intransigente da liberdade de expressão, mas defenderemos até o fim o livre acesso à informação de qualidade, sem mentiras e manipulações que levam ao ódio e à violência política. Nossa missão é fortalecer a democracia – entre nós, no Brasil, e em nossas relações multilaterais. A importância do Brasil neste cenário global é inegável, e foi por esta razão que os olhos do mundo se voltaram para o nosso processo eleitoral. Precisamos de instituições fortes e representativas. Precisamos de harmonia entre os Poderes, com um eficiente sistema de pesos e contrapesos que iniba aventuras autoritárias. Precisamos de coragem. É necessário tirar uma lição deste período recente em nosso país e dos abusos cometidos no processo eleitoral. Para nunca mais esquecermos. Para que nunca mais aconteça. Democracia, por definição, é o governo do povo, por meio da eleição de seus representantes. Mas precisamos ir além dos dicionários. O povo quer mais do que simplesmente eleger seus representantes, o povo quer participação ativa nas decisões de governo. É preciso entender que democracia é muito mais do que o direito de se manifestar livremente contra a fome, o desemprego, a falta de saúde, educação, segurança, moradia. Democracia é ter alimentação de qualidade, é ter emprego, saúde, educação, segurança, moradia. Quanto maior a participação popular, maior o entendimento da necessidade de defender a democracia daqueles que se valem dela como atalho para chegar ao poder e instaurar o autoritarismo. A democracia só tem sentido, e será defendida pelo povo, na medida em que promover, de fato, a igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas, independentemente de classe social, cor, crença religiosa ou orientação sexual. É com o compromisso de construir um verdadeiro Estado democrático, garantir a normalidade institucional e lutar contra todas as formas de injustiça, que recebo pela terceira vez este diploma de presidente eleito do Brasil – em nome da liberdade, da dignidade e da felicidade do povo brasileiro.
Muito obrigado.