p/ Silvana Marta
A maior força de trabalho do Brasil é a das empregadas domésticas, entre os formais e informais; 82% delas são negras. É a categoria que mais está mais exposta ao vírus, ao lado dos profissionais de saúde e entregadores. A primeira pessoa a morrer de Covid19 no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica, Cleonice Gonçalves, de 63 anos. Ela trabalhava em uma casa no Leblon e contraiu a doença da patroa, assintomática, que haviam chegado da Itália. Em estados como o Pará, Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Sul, os governos incluíram empregadas domésticas como serviço essencial nos decretos de isolamento social, embora Pará e Pernambuco tenham voltado atrás.
História
A exploração do trabalho doméstico no Brasil surgiu com a escravidão. Boa parte dos 5,8 milhões de africanos trazidos para o Brasil eram destinados ao trabalho doméstico, já que cuidavam de todos os trabalhos da ‘casa grande’, o que incluía amamentar os bebês e servir sexualmente aos proprietários. Eram chamados de ‘criados de servir’. Muitos eram mortos por chicoteamento, doenças e fome. Alguns conseguiam reagir e matar seus patrões fazendo ‘justiça trabalhista’ com as próprias mãos. A abolição da escravatura no final do século XIX foi matéria de muito debate. Haviam 3 argumentos contra a abolição da escravatura: o primeiro econômico, o segundo era o fato dos escravagistas temerem as revoltas dos escravos libertos, e o terceiro, religioso, pois a Igreja Católica dizia que ser escravo nas américas era parte do processo de purificação do negros, já que descendentes de Cão (personagem bíblico). Esse pensamento persiste nos dias de hoje. O Deputado e pastor evangélico pentecostal Marco Feliciano usou suas redes sociais para dizer: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato”.
Na pandemia, o racismo que existe nessa relação ficou mais evidente
Em 2012, o então deputado Jair Bolsonaro foi o único a votar contra a aprovação da PEC das empregadas domésticas. A PEC foi regulamentada em 2015 no governo Dilma Rousseff e estendeu a elas muitos dos direitos previstos aos trabalhadores na CLT, quando ganharam a denominação de secretárias do lar. Esses direitos foram retirados com a reforma trabalhista de 2017, tendo sido esta uma forma de burlar a lei para devolver às secretárias do lar a condição de empregadas domésticas, quando direitos como o de salário fixo e contribuições sociais foram retirados. Hoje são na sua maioria diaristas, sendo esta a terceira terminologia a elas atribuída. Isso diz mais do Brasil do que do seu próprio presidente Jair Bolsonaro.
Caso Miguel Otávio
O caso do menino Miguel Otávio da Silva, de cinco anos, que morreu no Recife (PE) após cair do 9º andar de um prédio de luxo, reacende a discussão do escravagismo no Brasil e aponta para que a escravidão negra por aqui ainda não foi abolida. Inúmeros são os casos de maus tratos praticados por patrões contra seus empregados domésticos todos os dias, mas o do menino Miguel, que aliás é nome de anjo, carrega muitos simbolismos. Assim como George Floyd, Miguel Otávio morreu chamando pela mãe, Mirtes Renata Souza, empregada doméstica, negra. Mirtes desceu para passear com o cachorro da patroa, branca, Sarí Gaspar Côrte Real, que morava no 5º andar do edifício Pier Maurício de Nassau, também conhecido como Torre Gêmeas, ícone do processo de verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife; estava fazendo as unhas quando aconteceu a tragédia, tendo exposto não só a criança quanto a sua mãe, além da manicure ao risco de morte (Covid19 e negligência). A patroa é mulher do prefeito de Tamandaré (PE) Sérgio Hacker (PSB), que reside em outra cidade que não é a que governa e pagava o salário da doméstica com verba pública, no estado de Pernambuco, que a princípio considerou o trabalho doméstico na pandemia como essencial, tendo voltado atrás após pressão popular. A patroa, irritada, para se livrar do menino que chorava, abandona-o no elevador, equipamento com o qual não tinha qualquer intimidade, para andar em um imenso prédio que não conhecia e nem se parecia em nada com o local onde morava. As imagens mostram o garoto apertando vários botões do elevador. Perdido, encontrou a morte em uma grade do 9º andar, área para ar condicionado, onde foi parar. A vida de Miguel se encerrou naquela queda. Não foi protegido da chaga da segregação racial e social que mata milhares de brasileiros negros todos os ano. Sarí Gaspar é a cara da nojenta elite brasileira.Tudo isso em meio aos protestos ‘Vidas Negras Importam’ Escravidão e racismo precisam ser banidos para sempre, sem medo, pois o medo escraviza e com o tempo ele aperta as correntes, eliminando a possibilidade de sermos felizes. O grito é pela de liberdade; lutaremos até ao fim!
Silvana Marta de Paula Silva, Advogada e Jornalista
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