“Alguém sabe por quanto se compra um Ministro do $TF? (sic) Tô com R$ 350,00 na conta”. Essa é uma publicação de 12 de março deste ano feita no Facebook pelo capitão Evandro Guimarães Rocha, oficial da ativa do 12º Batalhão da PM de Rio Bananal, no Espírito Santo. Em outra, com letras garrafais, diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma “organização criminosa” e usa as hashtags “#BarrosoNaCadeia” “#MoraesNaCadeia”, em postagem de 17 de agosto. O tenente-coronel Gunther Wagner Miranda, comandante do Comando de Polícia Ostensiva Sul, é pior no tom. Compartilhou uma imagem em 12 de março com dizeres de “A mesma campanha que fizemos pra eleger Bolsonaro, vamos fazer pra destruir o STF. Chega, STF! Campanha ‘Fora, STF!”. Em outra, de 10 de março, a imagem “Eu tenho nojo do STF”. Publicações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contra partidos de esquerda, pedindo o impeachment de ministros do STF e fechamento do Congresso Nacional, implantação do voto impresso e algumas incentivando uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 também aparecem em perfis de alguns oficiais da PM que a Ponte acessou nas últimas semanas. Em fevereiro, o capitão Olival Martinelli Tristão de Oliveira, da Cavalaria, compartilhou uma postagem em que o STF é chamado de “Suprema sem vergonha golpista da esquerdalha federal”. O capitão Rafael Sant’Anna Reis compartilhou em março um link de coleta de assinaturas para o impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. O major Weverson Mariano compartilhou uma postagem atribuída ao ex-ministro da Educação Abraham Weintraub em que usava a hashtag “#STFVergonhaNacional” ao dizer que a corte fiscalizaria os votos das eleições de 2022, o que não é verdade porque é atribuição do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e qualquer cidadão pode solicitar boletins de urnas sobre as votações em seções eleitorais. O presidente da Comissão Especial de Direito Militar da OAB-ES (Ordem dos Advogados do Brasil) Tadeu Fraga de Andrade, ao analisar as postagens, disse que ficou “assustado” com o conteúdo e que os oficiais descumprem o novo Código de Ética da PMES, implantado no ano passado, o qual veda qualquer tipo de manifestação política para militares da ativa, seja de serviço ou de folga, além de constituir crime tipificado no artigo 166 do Código Penal Militar, que trata de publicação ou crítica indevida. O texto prevê detenção de dois meses a um ano, se não se configurar crime mais grave, ao “publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo”. “O poder militar está sujeito ao poder civil e ele, na ativa, esteja em serviço ou não, não pode se envolver em questões políticas de nenhuma maneira, só os da inatividade podem opinar livremente”, enfatiza Andrade. Para ele, a situação é mais gravosa ainda por se tratar de policiais de alta patente. “Um capitão comandante de uma fração de tropa é titular do poder disciplinar, ou seja, tem o poder de aplicar sanções administrativas aos seus subalternos caso pratiquem algum ilícito administrativo. Então, pensar que um capitão pode ser titular do poder disciplinar, a gente intui que ele não vai se autodisciplinar, ele é a figura do disciplinador, ele não pode descumprir a lei e é muito difícil ter uma punição a um oficial nesse sentido até porque o sistema é feito para isso: para colocar a subordinação na parcela mais subalterna na escala hierárquica. Se isso [politização] acontece lá cima, com certeza já se espalhou embaixo”, explica. E se espalhou. Pesquisa divulgada nesta quinta-feira (2/9) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que houve aumento da adesão ao bolsonarismo e a pautas antidemocráticas nas polícias ao analisar 651 perfis de policiais em redes sociais e a respectiva interação com esses conteúdos. A maior parte (51%) é puxada por praças, ou seja, policiais de baixa patente (soldados, cabos e sargentos). O oficialato, que é de alta patente, (capitães, majores, tenentes-coronéis, coronéis e aspirantes a oficiais) correspondem a 44%. Para o presidente da Comissão de Direito Militar da OAB-ES, essa adesão se reflete principalmente sobre um “paralelismo” que as polícias militares fazem com as Forças Armadas, por serem constitucionalmente forças auxiliares do Exército. Ele destaca dois pontos: aumento de militares em cargos do governo e a atuação política, como o general Eduardo Pazuello ter ocupado o cargo de ministro da Saúde e participado de manifestação política mesmo estando na ativa, o que é vedado para militares que ainda prestam serviços à corporação. “Quando um general [da ativa] sobe num palanque com o Presidente da República, o governador de estado começa a ter dificuldade para controlar os seus oficiais porque o militar estadual quer ter um paralelismo com o oficial do Exército”, argumenta. “Quanto maior a posição dessa autoridade na escala hierárquica, maior é o senso de dever. O próprio Pazuello tinha que ter noção de que, se ele subisse naquele palanque, ia autorizar tantos outros de postos e graduações subalternas a fazer o mesmo, e pior ainda, não foi punido”. Com a revogação da Lei de Segurança Nacional nesta terça-feira (2/9), que foi criada na ditadura e embasou investigações tanto para apurar manifestações antidemocráticas com pedido de intervenção militar e fechamento de instituições quanto a críticos de Bolsonaro, Tadeu Fraga de Andrade entende que essas postagens e condutas não podem ser analisadas com a nova lei que passa a tratar de crimes contra o Estado Democrático de Direito, além de o presidente ter vetado o aumento de pena para militares que atentem contra o Estado. Ele menciona o artigo 359-L da nova lei, que prevê reclusão de quatro a oito anos, correspondente à pena da violência, ao “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Andrade explica que “a tentativa será considerada um atentado contra o Estado Democrático (intenção de abolir), sempre que o exercício dos Poderes for “impedido” (neutralizado) ou “restringido” (reduzido)”, ou seja, “transforma o crime em material e exige um resultado, não meramente uma conduta”. No Espírito Santo, o Quartel do Comando Geral da PM emitiu um ofício em 26 de agosto determinando que todo o efetivo trabalhe de 6 a 11 de setembro. “Fica suspensa a concessão de qualquer tipo de dispensa no período de 03 a 12 de setembro de 2021, e as que forem concedidas, deverão se encerrar até o dia 03 de setembro de 2021”, determinou o subcomandante da PMES coronel Ronaldo Mutz. O doutor em Sociologia e conselheiro da ONG Artigo 19 Marcos Rolim aponta que o aquartelamento, ou seja, a obrigação de que todos os policiais trabalhem e não sejam dispensados no dia do ato de 7 de setembro é uma maneira de fiscalizar a atuação da corporação nas ruas, evitar que policiais à paisana participem armados e que a segurança possa ser feita, especialmente porque, na visão dele, a politização das polícias se manifesta também na atuação deles nas ruas. “Imagine a hipótese se de um lado tem uma manifestação na Avenida Paulista com 500 mil pessoas de um lado e no outro canto afastado uma outra manifestação [contrária] de 40 mil pessoas, se essa massa resolve caminhar em direção ao outro grupo, que contingente policial vai atuar em uma ameaça como essa? É um caso que se precisa de toda a polícia para discutir todos os cenários possíveis”, aponta. Ele afirma que todos os oficiais, especialmente que estão em posição de comando, e que realizaram postagens e condutas antidemocráticas devem ser afastados e punidos de forma exemplar, sendo na escala mais grave a demissão sumária. “Nenhum golpista pode estar em posição de comando, seja nas polícias militares, nas polícias civis, seja nas Forças Armadas. O nosso dilema é que temos no comando do país alguém que tem essa deformação política”. Marcos Rolim explica que é preciso diferenciar o que é liberdade de expressão e “ameaça à ordem pública, às instituições e ao Estado Democrático de Direito”. “Não há liberdade de expressão para atacar a democracia, os gestores dos estados têm uma grande responsabilidade de impedir que isso aconteça”.
Ajude a Ponte!
O presidente da Comissão Especial de Direito Militar da OAB-ES concorda. “Quando o militar está falando da sua esfera privada, como do amor que ele tem pela família dele ou sobre como uma criança deve ser criada ou se os filhos devem ou não ir à escola na pandemia, acho que isso está abarcado pela liberdade de expressão. Agora, do momento que ele começa a fazer manifestações políticas e isso compromete a hierarquia e disciplina do quartel, e isso são valores institucionais, isso me parece ser uma restrição legítima para a liberdade de expressão”.
O que diz a polícia
A Ponte encaminhou as postagens à assessoria da PMES e questionou sobre o conteúdo bem como medidas que seriam tomadas, além de posição sobre os atos do dia 7 de setembro. Até a publicação, a corporação não respondeu.
Fontes: Ponte Jornalismo / www.poptvnews.com.br