Brasília (DF) - Jair Bolsonaro, 38° presidente da República do Brasil, enfrenta o momento mais conturbado de seu governo que ainda não completou dois anos. Além da pandemia do novo coronavírus, a maior crise sanitária em 100 anos e que já vitimou mais de 30 mil pessoas no país, o presidente tem sido protagonista de atritos constantes com os outros poderes, mais especificamente com o Congresso Nacional e com o Supremo Tribunal Federal (STF). Diante desse cenário conturbado, Bolsonaro já foi alvo de mais de 40 pedidos de impeachment. Solicitações que Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, afirmou que analisará “no momento adequado”. Em entrevista ao UOL, na última segunda-feira (01), o parlamentar pregou cautela para não “colocar mais lenha na fogueira” em um país que já padece frente a uma pandemia.Durante a história da democracia brasileira, Fernando Collor (hoje senador pelo estado de Alagoas) e Dilma Rousseff (economista, que atualmente não ocupa cargo público) foram os dois presidentes a serem afastados mediante a abertura de um processo de impeachment, em 1992 e 2016, respectivamente. Cresce a discussão acerca de um eventual impedimento de Bolsonaro. Há paralelos entre a situação atual do governo com os cenários vividos por Collor e Dilma?
Crimes de responsabilidade
O ponto central de um processo de impeachment de um presidente da República é determinar a existência de um crime de responsabilidade. Em 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigou ilegalidades do governo Collor, encontrando indícios de crimes como corrupção passiva e formação de quadrilha. A gestão do agora senador ficou marcada pelo chamado “Esquema PC Farias”. Paulo Cesar Farias, foi tesoureiro de Collor durante a campanha presidencial. Denúncias ligaram diretamente o presidente a ilegalidades cometidas pelo empresário. Dilma Roussef, por sua vez, foi alvo de uma denúncia de crime de responsabilidade realizada por três advogados (Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal) aceita por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, ao final de 2015. Acusações sobre a petista giravam em torno do descumprimento das leis orçamentária e de improbidade administrativa, fato que ficou conhecido como “pedaladas fiscais”. Recaíam também sobre Dilma suspeitas de envolvimento em atos de corrupção na Petrobras, à época investigados pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Lava jato. Atualmente, Bolsonaro enfrentra uma gama diversa de acusações de crimes de responsabilidade: quebra de decoro, tentativa de interferência política na Polícia Federal e apoio à Ditadura Militar. Mais recentemente, porém, dois tipos de crime de responsabilidade têm sido imputados a ele de forma mais recorrente: risco à saúde pública durante a pandemia e apoio a manifestações antidemocráticas. Em 2020, Bolsonaro protagonizou diversos momentos nos quais, descumprimento expressamente recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do próprio Ministério da Saúde, incentivou aglomerações e integrou as mesmas sem observar cuidados sanitários como uso de máscaras, por exemplo. Além disso, tem sido recorrente a presença do presidente em manifestações antidemocráticas realizadas em Brasília. Semanalmente, Bolsonaro tem sido fotografado em meio a apoiadores que defendem pautas inconstitucionais como intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Ele é acusado, inclusive, de ter convocado apoiadores para participar de um desses atos [realizado no dia 15 de março, na capital federal].
Apoio político e popular
Membro do inexpressivo PRN, Fernando Collor foi eleito com 53% dos votos, mas se viu politicamente isolado no pior momento de sua gestão. Enquanto a CPI investigava possíveis irregularidades de sua gestão, crescia o apoio popular ao impeachment. Com protagonismo da parcela jovem da população, o movimento conhecido como "caras-pintadas” tomou as ruas para pedir a saída de Collor do poder. Frente a pressão popular e ausência de apoio político, ele renunciou ao cargo, mas viu o processo de impeachment prosseguir e confirmar sua condenação. Na queda da petista, um dos episódios mais marcantes foi o desembarque do PMDB (atual MDB), partido com grande número de parlamentares no congresso, do governo Dilma. Michel Temer, atual vice-presidente [que assumiu o posto depois da saída da petista], era também o presidente da legenda. No início de março de 2016, poucos meses antes da queda de Dilma, foram registrados diversos atos públicos a favor e contra a saída da petista do cargo. Em São Paulo, por exemplo, a adesão foi maior aos atos contra a permanência de Dilma no Planalto. Com uma condução errática da pandemia, Bolsonaro vê seus índices de aprovação despencarem. Além disso, no último final de semana, mesmo em meio a uma crise sanitária que dificulta protestos populares, manifestantes foram às ruas contra a escalada da retórica autoritária de seu governo. Os atos pró-democracia, que contaram com presença de torcidas organizadas em São Paulo, marcaram a volta da oposição a Bolsonaro às ruas. Após as manifestações, surgiram movimentos suprapartidários em favor do regime democrático e contra a retórica do governo federal. Mais atos com esse viés tem sido marcados ao redor do país para o próximo final de semana. Ao seu lado, Bolsonaro tem cerca de 30% da população que ainda consideram sua gestão “boa/ótima”, de acordo com as pesquisas. A adesão aos atos em favor do presidente, tanto em Brasília como em outras capitais do país, tem diminuído. Politicamente, o presidente vem se aproximando do chamado “Centrão", conjunto de partidos políticos que não se pautam por orientação ideológica rígida e atuam próximos ao poder executivo. O aceno de Bolsonaro ao Centrão é visto como uma salvaguarda do presidente em caso de um eventual processo de impeachment. Vale ressaltar que, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro condenou tais artifícios políticos. Um aspecto político que joga contra Bolsonaro são os constantes atritos que o presidente protagoniza com outros poderes, criticando abertamente o presidente da Câmara Rodrigo Maia e juízes do Supremo Tribunal Federal.
Cenário econômico
Desde antes da eleição de Collor, o Brasil vivia uma crise de hiperinflação. Já no início de seu mandato, houve a criação do chamado “Plano Collor”, nome dado a um pacote de reformas com objetivo de estabilização da inflação. O plano ficou conhecido pelo confisco da poupança, chamado pelo presidente de “bloqueio dos ativos”. As medidas da equipe econômica de Collor não surtiram efeito e o país conviveu com a inflação até a interrupção de seu mandato. Dilma, por sua vez, não conseguiu sustentar o bom desempenho econômico dos dois mandatos de Lula (PT) e da primeira metade da sua própria gestão. Antes de ser afastada, ela amargava problemas como retração do PIB, crescimento do desemprego e alta inflação. O nome da Economia no governo Bolsonaro é Paulo Guedes. Grande defensor das reformas (Trabalhista e da Previdência foram aprovadas recentemente), o ministro começava a construir uma retomada lenta da economia brasileira, mas viu o país sofrer um baque devido à pandemia. Em abril deste ano, já como reflexo dos efeitos da Covid-19, a indústria brasileira registrou queda generalizada da produção e mais de um milhão de vagas formais foram fechadas no país entre abril e maior, de acordo com os dados do Caged, divulgados pelo Ministério da Economia.
Papel da imprensa e redes sociais
Ainda fora da era das redes sociais, Collor sofreu com denúncias da chamada mídia impressa. Ele foi acusado de irregularidades pelo próprio irmão em entrevista à revista Veja. Em outra reportagem, desta vez da Istoé, Eriberto França, motorista oficial da Presidência, confirmou ilegalidades cometidas por PC Farias com a anuência de Collor. Em uma era mais modernizada, Dilma sofreu com a intensa cobertura televisiva que abordava os escândalos de corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT). Além disso, as redes sociais foram palco de intensas disputas entre os que queriam sua saída e os que apoiavam sua permanência. Um dos opositores dignos de nota foi o movimento “Vem pra Rua”, criado em 2014, que passou a apoiar e organizar atos pró-impeachment em 2016. Bolsonaro cultiva uma relação conturbada com a grande mídia. Ele já atacou publicamente diversos veículos e órgãos de imprensa deixaram a cobertura presencial do Planalto alegando falta de segurança diante dos ataques de bolsonaristas. Por outro lado, o presidente sempre faz questão de ressaltar a força de seus apoiadores no ambiente virtual. No entanto, opositores acusam bolsonaristas de alimentar robôs e financiar uma máquina de notícias falsas online. O tema das chamadas “fake news" já motivou a criação de uma CPMI e, mais recentemente, foi motivo para um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal e atingiu diversos apoiadores do presidente.
Fontes: Yahoo Notícias / www.poptvnews.com.br