Brasília (DF) - A CPI da Covid pode ser um divisor de águas no que diz respeito às possíveis consequências que a pandemia do novo coronavírus pode render às mais altas autoridades do país. Por isso mesmo, chamou a atenção a falta de participação feminina nos senadores que integram a equipe de 11 parlamentares. O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) é um dos principais alvos de investigação, podendo inclusive sofrer diante 23 acusações relacionadas a sua gestão da crise sanitária. Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), senador e filho do presidente, ironizou a ausência das mulheres na comissão e recebeu uma resposta enfática da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). "É uma lógica que funciona sempre. Quais são as dinâmicas de poder que estão acontecendo em torno do gênero? Você consegue entender como os processos estão se dando. Isso vale também para presidência de grandes empresas, cargos no Poder Judiciário. Precisamos entender os ciclos que estão expulsando [as mulheres do cargo de poder]", avalia Debora Thome, doutora em Ciência Política e pesquisadora associada ao LabGen da Universidade Federal Fluminense, ao Yahoo! Notícias. Para ela, ausência total de mulheres na CPI da Covid chama a atenção porque sequer se respeitou um conceito cunhado como "mulher token" [termo em inglês que que significa 'símbolo'], que se dá, em linhas gerais, quando uma integrante feminina é escalada em meio a um grupo majoritário de homens para dar uma ideia de que há representatividade naquele segmento. Depois dos ataques de Flávio Bolsonaro, a bancada feminina do Senado decidiu que vai enviar senadoras para todas as sessões da CPI. A cada reunião, ao menos uma senadora mulher deve estar presente para participar da discussão. "Eu gosto de pensar assim: os homens detêm o poder e ninguém quer perdê-lo. Eu tenho X cadeiras numa mesa diretiva, se eu estabeleço paridade entre gêneros, homens perderão postos. Isso visto em um sentido pragmático da coisa (...) Em uma visão mais sociológica, há que se considerar também que as mulheres não costumam ser vistas em posição de liderança", destaca a pesquisadora, que é autora do livro "Mulheres e poder: histórias, ideias e indicadores". Apesar dos problemas de formato e inúmeras tentativas de fraudes por parte dos partidos, a pesquisadora defende regras eleitorais que visam a aumentar a quantidade de mulheres candidatas e eleitas em pleitos proporcionais. Debora ressalta que tais mecanismos funcionaram bem em diversos países da América Latina e que problemas são decorrentes da estrutura conservadora e machista da política brasileira.
Na prática, o que o baixo número de mulheres na política causa?
Debora Thomé assinala também que as poucas mulheres que se encontram em postos de poder na política enfrentam grandes obstáculos, mesmo que estejam alinhadas ao governo vigente. "Quando você tem uma mulher lá, ela pode não ter uma preocupação de gênero, mas ela vai ter pressão das bases dela para tratar de coisas de mulher (...) Eu gosto de frisar isso: mulher não é boazinha por natureza, mas acaba caindo no colo das mulheres algumas agendas de proteção social. Então, essa ausência na CPI é sentida. Portanto, precisamos olhar para o quadro geral e se perguntar o que está acontecendo para que as mulheres não estejam envolvidas nos processos políticos e nas resoluções de conflitos", diz a pesquisadora que vê uma sub representação não apenas no Congresso Federal, mas também nas comissões parlamentares no geral. Uma maior presença de mulheres acarretaria, de acordo com a pesquisadora, uma diferença substancial nas decisões tomadas no Congresso Federal. Ela cita o ocorrido em uma discussão sobre tributação de produtos considerados "básicos". "Absorvente íntimo não foi considerado produto básico na discussão. Como isso pode acontecer se as mulheres têm que usar isso todo mês? Ele é tão básico como pasta de dente e papel higiênico. É uma necessidade básica de metade da população. A presença das mulheres traz agendas que são necessárias", ressaltando que essa questão se torna ainda mais crucial em um contexto de pandemia, onde houve, segundo ela, um aumento da desigualdade entre gêneros no país. Além do aumento no índice de denúncia de violência doméstica, a crise sanitária aumentou a disparidade de gênero no mercado de trabalho. Segundo o último Panorama Laboral da Organização Internacional do Trabalho, divulgado em março deste ano, 13 milhões de mulheres perderam seus empregos na América Latina e no Caribe. "Teremos problemas, por exemplo, com mulheres que eram empregadas domésticas e perderam emprego em grande quantidade", projeta a pesquisadora.