p/ Rogério Pagnan e Ivan Martínez-Vargas
São Paulo (SP) - Ubirajara é de São Paulo. Felipe, de Santos. Wanderson, de Guaratinguetá. Luís Cláudio, de Jundiaí. Messias e Yury de São Vicente, e Luca de Santo André. Entre eles há autônomos, empresários, advogados, bancários e juiz aposentado. O mais novo deles tem 39 anos e, o mais velho, 81 anos. Há, enfim, poucas coisas em comum entre essas pessoas. A maioria nem mesmo se conhece, mas todas estão ligadas por um elemento em comum: investiram no mercado de criptomoedas por meio de uma empresa chamada FX Trading Corporation e, agora, amargam prejuízos de milhares de reais. Todos estão em uma lista da polícia de São Paulo, em três inquéritos distintos, de vítimas de um suposto golpe que pode ter lesado milhares de pessoas em todo o estado. A estimativa é que as perdas podem chegar a R$ 1 bilhão. Uma das vítimas, que já fez contato com a polícia, o juiz aposentado Messias Cocca, 81, perdeu, juntamente com o filho, mais de R$ 900 mil. Cocca "assume hoje ter sido ludibriado por esta organização criminosa de nível mundial", diz trecho do histórico do boletim de ocorrência registrado pelo magistrado de São Vicente, em dezembro de 2019. Segundo relato do grupo à polícia, as vítimas decidiram investir na desconhecia FX Trading após serem convencidas de retornos financeiros espetaculares com investimentos no comércio de moedas digitais: até 2,5% ao dia, um retorno mais de dez vezes superior ao rendimento mensal da poupança. As vítimas afirmam terem feito pequenos investimentos no início, para testar o serviço, e, como havia um retorno próximo ao prometido, foram investindo cada vez mais. Um dia, sem aviso, a empresa saiu do ar e os investidores foram impedidos de sacarem os valores de suas contas virtuais.
Para o promotor Renato Davanso, que acompanha um dos inquéritos em andamento, trata-se de um exemplo típico de estelionato mais sofisticado. "Nos primeiros meses, eles remuneram, para dar legitimidade, depois, somem", disse o promotor. Todas as vítimas entraram por duas portas: foram abordadas por pessoas de confiança, que garantiam o negócio, ou eventos organizados pela FX Trading em locais sofisticados, cujo garoto propaganda e suposto dono é o paranaense de ascendência coreana Philip Wook Han, 37, que costuma impressionar o público com vídeos ao volante de carros de superluxo (como Lamborghini) e, também, com frases impacto. "Quem não conseguir U$ 50 mil por dia é um fracassado", diz ele. Procurado pela reportagem, Han nega ligação com a empresa. Outra vítima que perdeu milhares de reais no suposto golpe foi o empresário Luca Calabrese, 63, de Santo André. Foram mais de R$ 600 mil e, por pouco, não investiu outros R$ 2 milhões. "Perdi muito dinheiro, dinheiro declarado, dinheiro da família inclusive. Me colocaram numa situação muito difícil perante minha família. Risco de morrer mesmo", disse. "Lógico que ninguém acredita em Papai Noel, mas o pessoal é tão bom de lábia que consegue demonstrar a Lua e o Sol que estão nas mãos. É uma tática muito bem montada, muita especializada. Eles continuam dando golpe. Posso garantir que estamos falando de algo na casa de R$ 1 bilhão", afirma Calabrese. Uma das primeiras vítimas a procurar a polícia foi Ubirajara Augusto Montalvão, que investiu cerca R$ 145 mil. Mas 20 dias depois, em junho do ano passado, ele viu que "a FX trading interrompeu suas atividades, congelando saldos e saques dos valores lá depositados." Moltalvão diz que se sentiu mais revoltado ao descobrir que a FX Trading não apenas havia fechado as portas nessas circunstâncias, não pagando ninguém, mas ter reaberto com o nome de F2 Trading, também com Philip Han como garoto propaganda. "Para sua surpresa, passados alguns dias, os mesmos indivíduos rebatizaram a empresa FX trading de F2 trading e passaram a operar sem saldar as dívidas", disse à polícia. Em maio do ano passado, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador do mercado financeiro, emitiu um ato declaratório em que dizia haver indícios de que a empresa fazia "captação irregular de clientes para a realização de operações no denominado mercado Forex (mercado de câmbio com moedas estrangeiras)". A FX não possuía autorização da CVM para operar com contratos derivativos. Por isso, o órgão notificou a empresa na ocasião. Determinou "a imediata suspensão de qualquer oferta pública, de forma direta ou indireta, a investidores residentes no Brasil de oportunidades de investimento no mercado Forex, por qualquer meio" sob pena diária de R$ 1.000. O órgão regulador analisa atualmente em dois processos denúncias sobre a FX e sua sucessora, a F2. Às vítimas, as empresas teriam se apresentado como espéicies de sucursais de casas de investimento na Coreia do Sul. A reportagem não conseguiu localizar, porém, a existência de matrizes das duas companhias no país asiático. Além de Han, os inquéritos policiais também trazem uma relação de pessoas que seriam sócios do empresário ou espécie de corretores do serviço.
"É uma quadrilha bem organizada. Você não tem acesso ao dono, que seria o Philip Han e a sua esposa. E o pessoal que vende esse tipo de 'investimento', coloca sempre a culpa nos líderes deles. Como não consegui ter acesso ao dono, entrei com um BO de estelionato no rapaz que me apresentou esse produto", afirmou Felipe Pedroso Faria, 39, de Santos.
"Está muito claro que esse Philip [Han] tem envolvimento, que ele é o representante, até pela busca que você faz pela internet. Mas e outros?", disse o promotor. Com essa resposta, ainda segundo ele, qual a participação dos outros no esquema, será possível falar em outros crimes. "O crime contra economia popular está óbvio, porque ele enganou. Não existe mágica, você aplica um dinheiro e vai ter 20% de remuneração. Ele está vendendo uma coisa que não tem como entregar. Ninguém consegue, ou ele não precisava pegar o dinheiro dos outros", disse o promotor. Além da revolta, une as vítimas a sensação de que, provavelmente, não verão o dinheiro de volta e os culpados não serão punidos.
"Não consegui nada. Fui enganado na ocasião, com esse negócio de FX, eu entrei como a maioria das pessoas entram. Eu dei por perdido, acabou. Pensei que era um negócio legal, mas não é era. No fim perdi um monte de dinheiro. Perdi um monte de coisa, eu não quero nem lembrar mais que isso existe", disse Luís Claudio Ezequiel Rodrigues, de Jundiaí. "Para mim, esse pessoal morreu. Estou consciente que entrei nesse negócio e perdi", afirmou.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que os três inquéritos estão em curso. "São apuradas denúncias de crime contra a economia popular, estelionato e organização criminosa. As equipes realizam oitivas com as partes, bem como a análise das informações e evidências reunidas até o momento. Novas diligências são realizadas e as autoridades trabalham para esclarecer os fatos e responsabilizar os envolvidos", afirmou. O advogado e economista Renato Obice Blum afirma que a polícia deve apurar se houve intenção das pessoas envolvidas em causar prejuízo. Segundo ele, houve, no mínimo, a oferta de algo impossível. "Esse mercado de criptomoeda é algo meio que loteria. Você pode ganhar muito ou poder perder muito em razão dessa instabilidade, ou dificuldade de previsão técnica. Impossível afirmar que só vai ganhar", disse ele. Para Rodrigo Kaysserlian, advogado especializado em rastreamento de ativos, as fraudes envolvendo venda de criptomoedas geralmente operam em um esquema de pirâmide financeira. "É uma estrutura de pirâmide em que o dinheiro do investidor antigo paga o investidor novo, o que é insustentável no longo prazo. Pouco tempo depois, essas empresas passam a afirmar que têm problemas com bancos no exterior para repatriar o dinheiro e tentam recomprar, via terceiros, os títulos dos clientes por 10% do valor de face", diz. Os contratos firmados, na maioria das vezes, nem sequer prometem a compra de moedas digitais de fato. "Costumam dar direito a uma suposta compra futura, que acaba não acontecendo." O investidor deve desconfiar de promessas de retorno financeiro muito acima das de mercado, segundo Kaysserlian. "Toda fraude promete alta remuneração e normalmente é um sistema complexo que você entende pouco. O ideal é não colocar o seu dinheiro em uma operação que você não compreenda como funciona". Para quem já aportou dinheiro em empresas e suspeita que pode ter sido enganado, a dica é agir rápido. "Logo que começar a desconfiar e a ter problemas, o investidor deve reportar o fato para a autoridade policial competente e já ingressar na Justiça", diz o advogado.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com Philip Wook Han, que respondeu por meio do escritório de advocacia PSR. O empresário paranaense diz que era "tão somente investidor" das empresas FX e F2. Em nota, sua defesa afirma que Han dava "palestras motivacionais àqueles que queiram (sic) empreender no sistema". "Meu cliente viajou o mundo ministrando palestras motivacionais, mas nunca esteve junto a seus contratantes, e como não é sócio e/ou proprietário das citadas empresas, não dispõe de qualquer informação ou documentos relativo às mesmas", diz o texto. Os advogados de Han também dizem que ele não tem acesso a contas do suposto esquema e que "não sabe precisar se existem dívidas para com alguma pessoa".
Fontes: Folhapress / www.poptvnews.com.br