Moradores da comunidade pesqueira de Gamboa de Baixo, em Salvador (BA), denunciam uma operação da Polícia Militar baiana, durante a madrugada desta terça-feira (1/3). Segundo eles, os policiais teriam chegado atirando e explodindo bombas durante a madrugada. Na ação, três jovens negros, identificados como Patrick Sapucaia, Alexandre Santos e Cleberson Guimarães morreram baleados. Na contramão das denúncias, a PM-BA afirma que o trio estava armado, atirou contra os agentes e carregavam drogas. Dezenas de moradores amanheceram em protesto pelas mortes na comunidade. Em fotos tiradas, é possível ver rastros de sangue no chão e vários projéteis colocados por eles por cima da camisa de uma das vítimas. A líder comunitária Ana Cristina da Silva Caminha, de 48 anos, à frente da Associação de Moradores de Gamboa de Baixo e membro da Articulação do Centro Antigo de Salvador, conta que os relatos da comunidade são de crueldade por parte dos policiais. Segundo ela, os três rapazes foram executados já rendidos dentro de um casarão na comunidade.A mãe de um deles, desesperada, teria sido impedida de chegar até o local. "Tudo o que os moradores têm dito é verdade. A polícia fez essa ação de madrugada, por volta de 3h para 4 horas da manhã, num momento em que estavam todos dormindo. Eles vieram à comunidade uma primeira vez, dispararam tiros e todos ficaram numa agonia enorme. Depois, voltaram e, dentro de um casarão que tem aqui na comunidade, pegaram três meninos de cerca de 20 anos. Foi uma noite de terror. Muitos tiros, a mãe de um deles estava gritando enquanto eles não deixavam ela chegar perto. No momento em que ela saiu para pedir ajuda a outros moradores, foi quando eles deram muitos tiros e mataram os três", conta. Ana Cristina diz que os policiais levaram os corpos após a ação. O acesso à comunidade é pelo alto, de cima para baixo. Ela relata que os policiais desceram jogando bombas e com truculência. "Eles levaram o corpo, e depois jogaram muita bomba. Foi horrível. E eles vieram de cima, por conta da formação geográfica da Gamboa. Todos ficaram assustados, só conseguimos sair de casa às 6h, quando a imprensa chegou. E eles estão dizendo que os rapazes trocaram tiros com a polícia. É tudo mentira, não é real", acrescentou. Foi tudo muito cruel, e pelo que fiquei sabendo da perícia, eles foram mortos de joelho, ou seja, não apresentavam nenhum perigo. A líder comunitária conta que a comunidade, apesar de conviver com a questão do tráfico de drogas, não é um local violento, o que também tem deixado os poucos moradores assustados. Eles desceram para matar. Não estava tendo nada na comunidade, as pessoas estavam dormindo. A festa de carnaval que estão falando que estava tendo era no Museu de Arte Moderna, que fica a 500m da comunidade. Foi uma ção da polícia que parece já ter sido programada para matar. Na semana passada houve uma outra ação e eles quase mataram uma menina - relata. A comunidade precisa, sim, de um trabalho sério. E isso não é sério. Somos uma comunidade tradicional, que precisa ser preservada e, quando tratada dessa forma, é descaracterizada, destruída. Estamos em estado de luto, vazio. Tudo parado. Numa comunidade pequena assim, morrerem três pessoas dessa forma... é muito cruel.
Polícia diz que houve troca de tiros e que agentes foram hostilizados
Procurada, a Polícia Militar da Bahia afirmou que guarnições da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/ Rondesp BTS foram acionadas com informações sobre a presença de homens armados na Avenida Lafayete Coutinho, localidade entre a Avenida Contorno e a Gamboa, na madrugada desta terça-feira. Os policiais militares, então, teriam sido recebidos a tiros por um grupo quando entravam na região, dando início a troca de tiros. Após o suposto confronto, os PMs narram que encontraram três homens caídos em posse de armas de fogo e drogas, versão bem diferente da contada pelos moradores, e dizem também que eles teriam morrido após terem sido levados ao Hospital Geral do Estado. Os agentes afirmam que, além deles, outros suspeitos conseguiram fugir. Os PMs informaram que, com os três rapazes, apreenderam um revólver calibre 38, outras duas pistolas, 177 papelotes de maconha, 233 pinos e dez embalagens de cocaína, 130 pedras de crack, três celulares, uma balança eletrônica e R$ 172 em espécie. Por conta das denúncias, a ocorrência foi registrada na Corregedoria Geral da PM, onde a conduta dos agentes será analisada. A corporação não informou se eles serão afastados durante a apuração dos fatos. A Polícia Militar afirma ainda que, durante a prestação de socorro, manifestantes jogaram entulhos, obstruíram a pista em ambos sentidos e hostilizaram os policiais, e que o policiamento foi reforçado na região com o apoio de outras unidades. A perícia foi feita pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT), que atua de maneir autônoma. A Polícia Civil não investiga o caso.
Coletivos locais emitem nota de repúdio
Uma nota da Articulação Centro Antigo de Salvador, assinada com outras 25 entidades locais, repudiou a ação, definida como arbitrária. Eles reforçam a versão de que não houve troca de tiros nem resistência por parte dos três homens mortos, e que houve alteração no local onde eles foram baleados. "A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu. Os corpos das vítimas foram removidos e o local das execuções foi alterado, impossibilitando, por óbvio, a apuração dos fatos. Além das execuções e tiros aleatórios foram atiradas bombas de gás na Comunidade, de cima da avenida Contorno. A operação não se funda em qualquer mandado de busca e apreensão, como determina a lei! A Polícia Militar da Bahia é considerada a mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório "A vida resiste: além dos dados da violência", da Rede de Observatórios da Segurança. Esses números reforçam a política do estado de genocídio da população negra. A Gamboa de Baixo é uma comunidade tradicional do início do século XX, autodeclarada comunidade pesqueira, classificada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS 5 na Lei Municipal no 9069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. Os (as) moradores e moradoras da comunidade são sujeitos de direitos e merecem respeito! Uma ação violenta e arbitrária como essa não pode ficar impune! Exigimos o afastamento e responsabilização dos envolvidos. Que o Estado investigue criteriosamente as execuções e todas as demais ilegalidades causadas por seus agentes de segurança contra a comunidade da Gamboa de Baixo nessa madrugada, respeitando o protagonismo das vítimas e seus familiares".