Brasília (DF) - Um forte murro na mesa, uma seqüência de palavrões e a ordem expressa para expulsar do Brasil o jornalista americano Larry Rohter, correspondente do The New York Times no país. A reação emocional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à reportagem publicada no dia 9 de maio de 2004, sugerindo que o presidente tem problemas com o álcool, transformou uma discussão sobre leviandade jornalística num desastroso incidente internacional. Em questão de horas, jornais do Primeiro Mundo passaram a tratar como intolerante e autoritário o operário que um ano atrás os tinha impressionado ao virar presidente depois de uma luta histórica pela democracia. ''Se, por um lado, a notícia foi maldosa, a reação foi burra. E muitas vezes a burrice é pior que a maldade'', criticou o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Na sexta-feira (17/05), diante da constatação do estrago à imagem do presidente, o governo arranjou uma saída para tirar Lula do olho do furacão. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos - que era contra a expulsão -, procurou os advogados contratados pelo New York Times no Brasil e propôs um acerto. Os advogados do escritório Pinheiro Neto entregaram a Bastos um pedido formal de suspensão da medida com oito itens. Nos dois últimos, Rohter declara ''jamais ter tido a intenção de ofender o excelentíssimo presidente da República'' e diz lamentar os constrangimentos que a reportagem possa ter causado. ''O requerente manifesta sua preocupação por entender que a versão de seu texto para o português não tenha sido fidedigna'', diz a nota. Em resumo: Rohter manteve o que escreveu, o governo pode dizer que recebeu um pedido de desculpas e a culpa caiu em cima do tradutor da reportagem para o português. Como a saída foi arranjada na base da malandragem, houve mais confusão. No começo da noite, pouco depois do anúncio de Márcio Thomaz Bastos, a direção do New York Times divulgou uma nota negando que tenha havido retratação por parte de Rohter. ''Graças a Deus o governo arranjou uma desculpa para não ir adiante com um erro tão grande'', ironizou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio. Mais espantosa das várias trapalhadas que o governo Lula já protagonizou, a fúria contra o NYT ressaltou a incapacidade do governo de lidar com crises e antever as conseqüências das decisões que toma. Pior. Em vez de conter, amplifica as dificuldades que surgem pela frente. Exemplos não faltam: foi assim na semana em que se sucederam reuniões para a definição do novo valor do salário mínimo. O debate interminável criou a falsa expectativa de aumento maior e, ao final, acabou-se anunciando o valor previamente definido pela equipe econômica, indispondo o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, com colegas de ministério.
''Se eu deixar que me chamem de bêbado sem fazer nada, daqui a pouco alguém vai dizer que eu sou gay e vocês não vão me deixar fazer nada''
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente |
Desta vez, para forçar Rohter e o New York Times a se retratar, Lula colocou o mundo inteiro contra o Brasil. No plano interno, foi confrontado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que garantiu o direito de o jornalista permanecer no Brasil. Antes do governo Lula, a história nacional só registrara a expulsão de jornalistas durante a ditadura militar. Em 1970, o governo Médici expulsou o francês François Pelou por ter vazado para os jornais estrangeiros a lista com os nomes dos guerrilheiros que deveriam ser soltos em troca da liberdade do embaixador da Suíça, Giovanni Enrico Bücher. Lula conduziu pessoalmente a crise jornalística desde, quando recebeu de sua assessoria a tradução da matéria do New York Times
Fonte: Memórias / Poptvnews