Na tarde de segunda-feira (8/3), o plantão da Globo, com aquela vinheta de suspense, no qual Renata Vasconcellos informou a anulação de condenações contra Lula, em decisão do ministro do STF Luiz Edson Fachin, marcou o início de nova fase na ‘guerra’ entre o ex-presidente e a principal emissora da família Marinho. Tudo indica que a artilharia será pesada. Ao longo dos últimos anos, em várias entrevistas, inclusive de dentro da cadeia, em Curitiba (PR), o petista disse a jornalistas esperar ansiosamente o dia em que o jornalismo do canal pediria desculpas pelas denúncias apresentadas contra ele e a cobertura ostensiva dos julgamentos e sentenças que o tornaram ‘ficha suja’. Em junho de 2019, em material exibido na Rede TVT (TV dos Trabalhadores), Lula acusou a emissora mais poderosa do País de responsabilidade em sua condenação na mídia: “A Globo, é, na verdade, a grande mentora dessa panaceia toda”. Contestou o fato de ter sido ignorado na prisão. “Você não acha estranho que a Globo nunca tenha pedido uma entrevista (comigo)?” Em outro trecho, ele lançou um desafio diante das câmeras. “Afinal de contas, eu sou uma pessoa que ainda tem uma certa audiência no Brasil, mais do que todos os programas deles. Eu gostaria de conversar, eu gostaria de ver sentar na minha frente o William Bonner, que faz seis anos que fala mal de mim todo dia no ‘Jornal Nacional’. E eu só queria uma chance de poder dizer a ele: ‘Você mentiu’”. Um mês depois, em entrevista à TVE da Bahia, Lula anunciou a intenção de enfrentar a emissora líder em audiência. “Eu tenho que fazer um protesto, é uma coisa que eu queria fazer antes de ser preso, na porta da Rede Globo de Televisão”, disse. “Preciso dizer umas boas para os Marinho e para o (diretor-geral de jornalismo) Ali Kamel. Tenho arquivado todas as horas que esses caras falaram mal de mim.” O líder esquerdista deixou a prisão em novembro daquele ano. Em pronunciamento realizado menos de 24 horas após ganhar a liberdade, apontou para o Globocop e disparou: “Vocês não têm dimensão do que significa o dia de hoje para mim. Lá em cima está o helicóptero da Rede Globo de televisão para falar merda outra vez sobre Lula e sobre nós”. Houve resposta no ‘JN’ daquele mesmo dia. O canal afirmou “repudiar” os ataques de Lula e defendeu a isenção de seu jornalismo. Até agora, o ex-presidente não executou o plano de se manifestar na sede da Globo. Continua a atacá-la de longe. Em mais de uma ocasião, o petista disse aguardar retratação do Jornal Nacional pelo espaço dado aos procuradores da Lava Jato que o denunciaram. Esse mea-culpa é improvável de acontecer. Um artigo em O Globo, de julho de 2020, colocou mais lenha na polêmica. O jornalista Ascânio Seleme, ex-diretor de redação do jornal, escreveu que era chegada “a hora de perdoar o PT”. Na internet, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) reagiu com questionamento à emissora. “Se a Rede Globo quiser mesmo fazer uma autocrítica real, despida de tanto pedantismo e arrogância, será preciso, antes de tudo, que reconheça a perseguição que fez ao presidente Lula e a perseguição que culminou no golpe contra a presidenta Dilma, além disso, reconhecer os feitos dos governos petistas.” O canal ignorou. Na edição de segunda-feira (8/3), o JN dedicou cerca de 25 minutos à anulação dos processos e condenações do ex-presidente. O tom não foi favorável a ele: houve o apontamento de cada acusação e as principais provas, ressaltando que o material poderá ser aproveitado em novos processos. Jornalisticamente, uma cobertura correta. Nenhum sinal de admissão de supostos erros ou excessos pela cobertura dos casos. O pretendido ‘duelo’ de Lula com Bonner é, hoje, uma utopia. Há expectativa de que o ex-presidente critique a Globo e a imprensa em geral na coletiva de imprensa marcada para a tarde desta terça-feira (9/3). Nas conversas com jornalistas ao longo dos 580 dias de encarceramento na PF de Curitiba, Lula voltou a defender um antigo projeto: a regulação econômica da mídia a fim de impedir a formação de conglomerados como o Grupo Globo. Em 2017, o ex-presidente falou abertamente a respeito dessa questão controversa que suscita o temor de interferência ideológica do Estado e risco à liberdade de expressão. “A Dilma errou e eu errei quando não fizemos a regulação dos meios de comunicação. Eles têm que saber que eles vão ter que trabalhar muito para não deixar que eu volte a ser candidato. Se eu for candidato, eu vou ganhar e vou fazer a regulação dos meios de comunicação”, comunicou em evento no Rio. As empresas do setor rejeitam a proposta. “A Globo acha que quem tem que regular a televisão é o controle remoto”, criticou Lula.