Brasília (DF) - Com ajuda de amigos e os muy amigos do Congresso, Jair Bolsonaro foi chamado para bater um pênalti sem goleiro após a aprovação do fundo eleitoral bilionário para 2022. Acuado por escândalos na negociação de vacinas, áudios sobre rachadinhas e investigações sobre aliados em suposta venda ilegal de madeiras, o presidente tem na mão a faca, o queijo e a manteiga para correr nas redes e dizer que evitou um assalto aos cofres públicos ao vetar, como promete vetar, os R$ 5,7 bilhões para os partidos fazerem campanhas como quiserem no ano que vem. O valor aprovado pelo Congresso, com a ajuda de aliados como Carla Zambelli (PSL-SP) e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é quase o triplo do que as legendas receberam em 2020. Legendas como PCdoB, PT, PSOL e Novo votaram contra o orçamento marombado, mas no fim das contas é o presidente quem poderá levar à plateia a peça retalhada em sacrifício. “É uma cifra enorme que, no meu entender, está sendo desperdiçada, caso ela seja sancionada. Posso adiantar para você que não será sancionada”, disse o presidente em entrevista à TV Brasil. Ele chegou a falar em “respeito ao trabalhador, ao contribuinte brasileiro”. O discurso é música para os ouvidos de quem, em 2018, escolheu para presidente um holograma que fez da concorrência à margem do establishment um poderosa peça de propaganda política. A conversa não levava em conta robôs, disparos e confusões fabricadas em gabinetes de todo tipo, supostamente com ajuda de apoiadores privados, mas ao menos na época a postura colou. Bolsonaro era o franco atirador que combatia com paus, pedras e memes a artilharia dos partidos poderosos e endinheirados. Três anos depois, o PSL, partido pelo qual se elegeu e que se tornou uma das maiores bancadas na Câmara, votou em peso pela aprovação do fundo bilionário. O projeto segue agora para sanção do presidente não com um bode, mas com uma chibarrada na sala.
Diante dela Bolsonaro pode:
-aceitar a conta e dizer que, como ela veio do Congresso, não tinha nada a fazer a não ser respeitar a contragosto a votação. Posaria assim de democrata, se eximiria da responsabilidade e ganharia a amizade sincera e desinteressada do centrão por pelo menos mais um ano;
-vetar a proposta na íntegra e correr para a galera como o líder da nação que não dá dinheiro para politicagem, e sim para obras e estradas (a citação, na mesma entrevista, a Tarcísio de Freitas, seu ministro da Infraestrutura, não é à toa);
-tirar parte dos bodes da sala, vetando o orçamento em parte, para não ficar mal nem com a base de apoio nem com o eleitor fiel, que nas conversas do zap poderia falar da parcela que deixou de ser gasta e não do gasto em si.
Em tempo: um orçamento de R$ 4 bilhões hoje já seria um alívio para quem já vive com a carteira à míngua, mas ainda assim representa o dobro do dinheiro recebido pelas siglas há dois anos. Em anos recentes, não teve, ou está para ser revelado, um escândalo político que não tenha passado pela relação confusa entre candidatos e empresas doadoras de campanha. A limitação do financiamento privado para incursões públicas é um avanço. O financiamento público de campanha era parte da solução. Não precisava virar festa. Uma festa que gerou revoltas legítimas e outras nem tanto —basta ver a cena protagonizada por uma parlamentar que praguejou contra a proposta em público mas votou sim nos escaninhos do Congresso. O veto de Bolsonaro, se confirmado, ajudaria o presidente a reconquistar parte dos eleitores perdidos e reposicioná-lo em um campo que tem perdido de lavada. Para sua plateia, ele poderá ao menos fingir que se preocupa com a gestão e o bom uso do dinheiro público.