São Paulo (SP) - Com o Brasil vivendo o ápice da pandemia do novo coronavírus, o tema da volta às aulas presenciais é um dos maiores dilemas enfrentados no país. As escolas privadas, que em alguns estados retornaram antes das instituições públicas, não estão imunes aos problemas enfrentados por essas últimas, além de comportar suas próprias dificuldades. Em entrevista ao Yahoo Notícias!, dois professores relataram diversos episódios de desrespeito aos protocolos sanitários necessários para que as instituições de ensino estivessem funcionando de maneira minimamente segura. "Voltamos ao trabalho presencial no final de janeiro, operando com sistema híbrido [no qual parte dos alunos fica em casa e outra está em sala de aula], sem muito tempo para implementação, tudo sendo descoberto na prática. Não houve conversa prévia nenhuma sobre protocolos com os professores e nenhum treinamento da equipe da escola para esse novo cenário em que vivemos", relata Cláudio***, professor em uma escola de classe média alta, localizada na Zona Oeste de São Paulo. Ele se queixa ainda da falta de apoio da instituição com os profissionais. "Nós professores temos que arcar com os nossos próprios equipamentos de proteção como máscaras. Os poucos oferecidos pela escola são de baixa qualidade e fora das especificações", relata. Após recorde de mortes por Covid-19 em um único dia na última terça-feira (02), as escolas foram incluídas nas atividades essenciais durante a fase vermelha, na qual todo o estado de São Paulo entra no próximo sábado (06). A medida foi tomada dado o aumento de casos da doença em todo o país.
Protocolos inexistentes no dia a dia
Daniela***, professora de Biologia em uma escola de elite na Zona Sul do Rio de Janeiro, relata que a instituição adotou, antes do retorno às aulas presenciais (que aconteceu ainda no fim de 2020), um discurso de que haveria uma rigidez no cumprimento das medidas de segurança contra a Covid-19. "A escola diz que está seguindo todas as normas, mas há salas recebendo mais alunos do que as regras permitiriam [algumas, segundo ela, contam com até 30 alunos ao mesmo tempo]. Além disso, não houve adaptação dos espaços, quase todos sem ventilação e alguns até sem ventiladores", conta a professora que denuncia também a falta de fiscalização por parte da direção da escola. "Em vários momentos chego a uma sala e os alunos [adolescentes de 15 a 17 anos] estão aglomerados, é preciso esperar que eles se sentem. A escola pede ao professor para que ele tenha o papel de cobrar os alunos, mas alguns não querem sequer usar máscaras. No meu caso, eu nunca abri mão e sempre exigi o equipamento durante minhas aulas". Em São Paulo, Cláudio diz ser testemunha do mesmo tipo de desrespeito às normas defendidas pelos especialistas. "A escola afere a temperatura sem controle algum e não respeita o distanciamento nas salas de aula. Não há escalonamento no recreio. Quando chove, crianças ficam dentro de uma sala fechada, sem máscaras e ingerindo alimentos", denuncia o docente.
Falta de transparência com os funcionários
Em ambos os casos, coincide também uma mesma queixa: a falta de clareza por parte dos diretores com professores e funcionários sobre eventuais contaminações. A própria Daniela diz ter passado por uma situação de alto risco que só descobriu posteriormente, colocando um familiar em risco. "Sabemos das contaminações de profissionais e alunos pela 'rádio corredor' e também porque as pessoas simplesmente param de ir trabalhar. Nada é comunicado com transparência. Eu mesma tive contato com um professor que testou positivo e não me foi dito. Sem saber, fui visitar meu pai que tem idade avançada", lamenta a professora, que se queixa também de uma equipe insuficiente para dar conta do ritmo constante de limpezas que a pandemia demanda. Ela diz que, entre si, os professores da escola onde atua avaliam que a situação se encontra "igual" só que com "álcool em gel" (em alusão ao produto que ficou conhecido como um dos principais itens para combater a propagação do novo coronavírus). Em São Paulo, Cláudio diz também que a direção da escola se comprometeu a divulgar os eventuais casos de contaminação confirmados, mas que a medida nunca virou realidade. "Já houve casos de contaminação de professores, funcionários e alunos que não foram divulgados devidamente. Existiu até um profissional que teve que voltar a trabalhar com sintomas", denuncia o professor. Daniela se queixa de que nem mesmo os casos registrados na escola mudam a postura da direção da instituição. "Vários casos em um mês e meio. Não houve nenhuma alteração na quantidade de alunos na sala de aula. Não se cogita voltar para o ensino remoto, que deu certo em 2020, ao contrário, parece que se quer apostar mais no regime presencial. Nós [professores e funcionários] não conseguimos entender", indigna-se a docente. Questionada sobre o desrespeito aos protocolos, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro afirmou que "as demandas devem ser direcionadas ao sindicato das escolas particulares" da capital fluminense. Em São Paulo, o órgão responsável não respondeu até o fechamento dessa matéria.
***Nomes fictícios usados à pedido dos docentes, que solicitaram anonimato