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Brasileiros nascidos hoje terão dificuldade para respirar no futuro, diz estudo climático

Segundo o documento, a vida das crianças nascidas no Brasil, a partir de agora será afetada pelas mudanças climáticas.Só em 2016, estima-se que a poluição do ar levou a 24 mil mortes prematuras

Foto: AP Photo/Andre Penner
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A poluição conta com a presença do chamado material particulado, que é proveniente de queimadas

17 novembro, 2019

Uma criança nascida hoje no Brasil provavelmente terá dificuldade para respirar durante seu crescimento e sua vida. Também enfrentará mosquitos transmissores de doenças, como a dengue, e eventos extremos, como queimadas, secas e inundações, em maiores quantidades. Esses são alguns dos problemas de saúde associados às mudanças climáticas apresentados na nova versão do relatório Lancet Countdown: Tracking Progress on Health and Climate Change (em tradução livre, "Acompanhando os Progressos em Saúde e Mudanças Climáticas"), lançado  quarta-feira (13/11). Segundo o documento, a vida de todas as crianças nascidas a partir de agora será profundamente afetada pelas mudanças climáticas. No Brasil, a poluição do ar é um dos pontos que trará problemas para as crianças de hoje e de amanhã. Tal poluição conta com a presença do chamado material particulado, que é proveniente de queimadas (que apresentaram aumento significativo neste ano no país), queima de carvão para produção de energia e veículos de transporte. Esse tipo de poluição está associado a peso baixo em recém-nascidos, menor função respiratória em crianças e maiores taxas de hospitalizações. Só em 2016, estima-se que a poluição do ar levou a 24 mil mortes prematuras no Brasil. Para se ter ideia do tamanho do problema, em uma hora de exposição ao trânsito de São Paulo, por exemplo, a população "fuma" cerca de cinco cigarros, como apontam as pesquisas feitas pela equipe de Paulo Saldiva, diretor do IEA (Instituto de Estudos Avançados), na USP, e um dos coautores do relatório Lancet. Para piorar, o monitoramento da poluição é deficitário no país. Levantamento deste ano da ONG Instituto Saúde e Sustentabilidade mostrou que só seis estados e o Distrito Federal fazem o monitoramento de poluição e divulgação dos resultados para a população. Mais de 90% das estações de monitoramento se concentram no Sudeste. Outra preocupação quanto ao Brasil é o crescimento do uso de carvão. O documento mostra que o uso desse tipo de fonte de energia no país triplicou nos últimos 40 anos. Em contrapartida, é pequena a participação desse tipo de termelétrica na matriz energética nacional, com participação predominante de fontes renováveis, como hidrelétricas. O futuro também será marcado por um aumento nas doenças transmitidas por mosquitos, segundo o relatório. A dengue, por exemplo, sofre forte influência de chuvas, temperatura --elementos relacionados às mudanças climáticas-- e urbanização. Desde 1950, a capacidade de transmissão de dengue aumentou em 5% para o Aedes aegypti e em 11% para o Aedes albopictus. Mundialmente, 9 dos 10 anos mais propícios para a transmissão da dengue ocorreram do ano 2000 para cá, e atualmente metade da população mundial está em risco. Isso quer dizer que é mais fácil pegar dengue hoje, doença transmitida pelo mosquito que se espalha mais rapidamente pelo mundo. Em 2016, o Brasil teve 1,5 milhão de casos de dengue, três vezes mais do que em 2014. Segundo o documento, o custo da infecção para o SUS entre 2012 e 2013 foi de cerca de US$ 164 milhões (R$ 770 milhões). Ao mesmo tempo, o peso socioeconômico da dengue chegou a US$ 468 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão). Não é somente a dengue que preocupa os autores do estudo. Desde os anos 1980, dobrou o número de dias mais propícios para a contaminação por vibrio, um dos microrganismos responsáveis por casos casos de diarreia, que pode ter impactos sérios em crianças. Também não faltarão eventos climáticos extremos. No Brasil, os incêndios florestais afetaram 1,6 milhão de pessoas desde 2001/2004. Até agosto, o Brasil teve seu maior número de queimadas desde 2010. Uma das recomendações do relatório do Lancet, inclusive, diz respeito às florestas brasileiras. O documento orienta que deve se reafirmar o compromisso com o desmatamento ilegal zero até 2030, aliado a reflorestamento e redução de queimadas. As cidades brasileiras, com suas variabilidades climáticas extremas, servem como um grande e trágico laboratório para entender o papel das mudanças climáticas na saúde da população, diz o médico e pesquisador Paulo Saldiva. Ele cita o exemplo de São Paulo. Em determinada fatia dos dias mais quentes e mais frios, a mortalidade aumenta em 50%, com mortes relacionadas principalmente a AVCs (acidente vascular cerebral), pneumonias e infartos.