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Brasil

Opinião

Brasil pós-Biden: o fim do “Bolsonaro paz e amor”?

Provocações gratuitas podem sim trazerem complicações maiores na relação com um país que, como o Presidente sabe, é o segundo maior parceiro comercial do Brasil

Foto: AP Photo/Eraldo Peres
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Presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

12 novembro, 2020

Por Pedro Gryschek*

Nos últimos meses, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vinha mostrando uma faceta mais afável de sua personalidade. Entre gestos a parlamentares e Ministros do Supremo, vinha demonstrando uma maior vocação à composição política do que era o caso até o final do primeiro semestre. Essa capacidade de chegar a consensos e acordos é necessária a um Presidente da República em um país de democracia de coalizão, como é o Brasil: dificilmente o chefe do Poder Executivo terá o quórum necessário, no Poder Legislativo, para a concretização de seus projetos. Ter uma boa relação com o Poder Judiciário também é importante no sistema de repartição de poderes, com cada um dos três poderes exercendo influência sobre o outro, por meio dos mecanismos de freios e contrapesos. Os processos de impeachment dos Presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef são exemplos da importância de uma boa relação com o Parlamento: caso tivessem sustentação política na Câmara dos Deputados e no Senado, é possível que tivessem cumprido seus mandatos até o fim. Isso exposto, a última terça-feira (10/11) teve um retorno da faceta mais belicosa e incendiária de Bolsonaro. Pela manhã, comemorou uma “vitória” sobre seu rival político, o Governador de São Paulo, João Dória, ao comentar a suspensão, pela ANVISA, dos testes da vacina CORONAVAC no Brasil, a cargo do Instituto Butantan, centro de pesquisas biológicas ligado ao Governo do estado. Ainda durante o dia 10, surgiram notícias de que a morte de voluntário que motivou a suspensão dos testes se dera por causa não ligada a efeitos adversos da vacina. Já na quarta-feira, dia 11, pela manhã, a agência retirou a suspensão aos testes, o que parece chancelar a narrativa do Instituto Butantan quanto à falta de relação de causalidade da vacina no óbito do voluntário. Desnecessário destacar o quanto vacinas contra o COVID-19 são necessárias neste momento, inclusive para que o mundo volte a funcionar de maneira mais ou menos semelhante àquela pré-pandemia. Em uma semana na qual os desenvolvedores da vacina Sputnik V e a das farmacêuticas Pfizer e BioNTech divulgaram resultados promissores quanto à sua eficiência (que estaria na casa dos 90% ou um pouco acima disso, no caso da primeira), atacar a CORONAVAC pode parecer aceitável a alguns.  Mas, segundo especialistas, o desenvolvimento de várias vacinas eficientes seria o melhor cenário para o combate mundial à pandemia, por questões de produção, logística e capacidade de imunização da população. Assim, uma CORONAVAC também eficiente seria importante para superarmos a maior crise sanitária mundial em muitos anos. Ainda sobre a pandemia do COVID-19, Bolsonaro, em cerimônia no Palácio do Planalto para o lançamento do plano Retomada do Turismo, afirmou lamentar os mortos, mas ponderando que todos morreremos um dia. Não é uma frase inédita do Presidente. Em outro momento, entretanto, afirmou que o país fugia da realidade, que a população deveria lutar de peito aberto contra o COVID, que já matou mais de 162.600 pessoas no país, alegando que o Brasil deveria deixar de ser um “país de maricas”, fazendo, ainda, um ataque à imprensa, chamada de “urubuzada”. O mandatário falou de um fato da vida, sem dúvida, todos iremos morrer (ao menos no atual estágio de desenvolvimento da medicina), mas, mais uma vez, parece relativizar as mortes provocadas pela pandemia. O apelo à “hombridade” da população, além de ter cunho sexista e homofóbico, parece desconsiderar que o Brasil é o segundo país em número absoluto de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos e o sétimo em mortes a cada 100.000 habitantes. A desmotivação do presidente às regras de distanciamento social por parte da população não é produtiva para a melhora deste quadro. Por fim, ao comentar declarações de Joe Biden no sentido de que, em sua presidência, levantaria barreiras comerciais com o Brasil, caso a situação ambiental da Amazônia não melhorasse, o Presidente afirmou: “Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizer que, se não apagar o fogo da Amazônia, vai levantar barreira comercial contra o Brasil... Apenas diplomacia não dá. Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”. A linguagem informal que Bolsonaro costuma usar nos permite deduzir que não foi sua intenção chamar os Estados Unidos, que, em tudo continuando como está, devem ser governados por Biden de janeiro de 2020 a janeiro de 2024, para uma guerra. Os próprios militares brasileiros têm esse entendimento. Mas foi uma provocação com potencial de fazer estragos nas relações diplomáticas. Como já exposto por colegas, um governo de Biden tende a ser pragmático em sua relação com o Brasil, mesmo com a afinidade ideológica de Bolsonaro com Donald Trump. Mesmo que o brasileiro só cumprimente o democrata quando oficializada sua eleição, isso não deve mudar. Mas provocações gratuitas podem, essas sim, trazerem complicações maiores na relação com um país que, como o Presidente sabe, é o segundo maior parceiro comercial e importante parceiro político do Brasil. Foi aventado que as poucas chances que Trump parece ter de reverter a vantagem de Biden (não há provas concretas de qualquer fraude alegada pela candidatura republicana nas eleições dos EUA, até o momento) ou a situação de seu filho, Senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) quanto às supostas “rachadinhas” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, possam ter enervado Bolsonaro, que voltou à verborragia prevalente no primeiro semestre. Não podemos afirmar com certeza, mas, é certo, o Presidente deve zelar pela República que dirige e suas falas incendiárias não vão nesse sentido.

 Pedro H. L. Gryschek é graduado e mestre em Direito Internacional e Comparado pela Universidade de São Paulo - USP e graduando em História pela mesma instituição.