Brasília (DF) - Não tivesse sido abortada pelo interlocutor, ninguém sabe até onde iria a conversa de um assessor do vice-presidente Hamilton Mourão com o chefe de gabinete de um parlamentar -até agora não identificado - para preparar o terreno de uma possível troca de comando no país. Você não leu errado: um funcionário do governo, lotado no gabinete do vice-presidente, tentou na cara dura uma ponte com o Congresso para derrubar Jair Bolsonaro e passar a faixa ao chefe. Pelo teor da conversa, o general conseguiu rachar os militares, a principal base de apoio do governo. De um lado estava o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional; de outro, os militares que já jogaram a toalha em relação ao capitão após a demonstração gratuita de capacidade gerencial na crise da pandemia. Estes já se reuniriam em torno de Mourão. Diante do impasse anunciado na troca de mensagem, o assessor do vice-presidente pede para tomar um café com o funcionário da Câmara para tratar da articulação política. E avisa: é preciso estar preparado para um futuro governo Mourão. O interlocutor cortou o convite no ato e a conversa, ocorrida no WhatsApp, vazou para a imprensa. A íntegra foi divulgada pelo site O Antagonista. Para quem estava com saudade dos tempos em que as notícias do Planalto eram uma novela sem fim sobre as andanças conspiratórias encarnadas na figura de um vice-presidente, o capítulo da demissão do assessor flagrado em conversa, digamos, inapropriada deu ao público um revival ao estilo Vale a Pena Ver De Novo. Vale? Se estava mesmo tomando forma, uma possível conspiração de Mourão tem, agora, chance rala de vingar. Não no que se assemelha aos passos de Michel Temer contra Dilma Rousseff a partir do momento em que ela foi reeleita. Mas no que os diferencia. Em seu movimento de peças, Temer conseguiu trocar as meias sem tirar os sapatos. Dilma se viu sem a faixa presidencial quando era tarde; tivesse acendido o alerta antes, não teria dado ao vice o cargo de articulador político de seu governo. Menos ainda o desautorizado quando a articulação avançava. Temer movia as peças com luva de seda. Até sentar na cadeira de presidente, havia dado margem a especulações apenas por manifestações ambíguas. Um dia dizia que era preciso pacificar e unir o país. No outro, especulava que era difícil atravessar três anos de mandato com a popularidade abaixo de 10%. Por fim, deixou entrever a jogada com uma carta carregada de ressentimento e latim por ficar de fora de um encontro com o então vice-presidente dos EUA Joe Biden. Tivesse botado o vice decorativo na sala e servido a ele uma tigela de autoestima, Dilma poderia ter se livrado do destino que agora são favas contadas. Como em 2015, a Câmara hoje é comandada por um presidente que emula a música “Dois pra lá, dois pra cá”, de Edu Lobo e Aldir Blanc, e uma hora flerta com a abertura do processo de impeachment; no outro, descarta qualquer possibilidade. Eduardo Cunha aceitou a abertura do processo no apagar das luzes de 2015. Temer virou presidente cinco meses depois. Só as pedras de Brasília sabem o que se negociou à meia-luz nos dias que antecederam a sessão do impeachment em 2016. Registros, se houve, não foram parar no WhatsApp. Muita coisa mudou de lá pra cá. A sutileza virou peça de museu. Produzindo provas contra si, o assessor de Mourão agiu como agente duplo que berra ao megafone para não acordar os donos da casa. O vice já mostrava a leveza de rinoceronte ao especular, em entrevista, uma provável troca ministerial ao fim das eleições dos futuros líderes do Congresso. Falou o que quis, ouviu o que não quis. Em seus delírios persecutórios, Bolsonaro vê agora na parede uma sombra real que o impedirá de tomar café nos próximos dias sem mandar seu vice bebericar antes. A troca pública de farpas virou assim um duelo de rinoceronte com hipopótamo numa sala cristal. O capitão que em episódios anteriores não se constrangeu em colocar um general em seu lugar devolveu no megafone o recado: não precisa de palpiteiro nas escolhas de seu ministério. Quem quiser montar a própria equipe que se eleja em 2022 e tenha sorte em 23. Os homens treinados para a guerra não parecem dispostos a balançar a bandeira branca da paz. Os bastidores dormem às moscas nos tempos em que sussurro e silêncio foram trocados pelo berro. As declarações ambíguas das grandes conspirações saíram de moda. Na já tensionada relação entre Bolsonaro e seu vice, entramos oficialmente na fase do tiro, porrada e bomba.