Quarta-feira, 27 de
Novembro de 2024
Brasil

Ataques

Bolsonaro participa de ato pró-governo e contra Congresso e o Supremo Tribunal Federal

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente do STF, Dias Toffoli, e o governador de São Paulo, João Doria foram alvos.

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
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O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores na frente do Palácio do Planalto

15 março, 2020

BRASÍLIA (DF),  RIO DE JANEIRO (RJ) E SÃO PAULO (SP)  - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou orientações dadas por ele mesmo na semana passada, ao estimular e participar neste domingo (15/3) dos protestos pró-governo sem demonstrar preocupação com a crise do coronavírus. Bolsonaro incentivou os atos desde cedo em suas redes sociais —foram 38 postagens sobre o tema até as 18h30. Sem máscara, participou das manifestações em Brasília, tocando simpatizantes e manuseando o celular de alguns apoiadores para fazer selfies. "Isso não tem preço", disse, durante transmissão ao vivo em suas redes sociais. Neste domingo, ocorreram manifestações em diferentes pontos do país com gritos de guerra e faixas em defesa do governo federal e com uma série de ataques  contra o  Congresso Nacional  e o  Supremo Tribunal Federal ( STF) . Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada no final da manhã e, de carro, percorreu diferentes pontos de Brasília até entrar no Palácio do Planalto, de onde, do alto da rampa e sob os gritos de 'mito', acenou aos manifestantes. Desceu a rampa em seguida e passou a esticar o braço para tocar nos manifestantes, separados por uma grade. Bolsonaro permaneceu por cerca de uma hora interagindo com apoiadores. Havia no local várias pessoas idosas, consideradas grupo de risco da nova doença e com taxa de mortalidade maior. Na semana passada, quando pediu que seus seguidores não comparecessem às manifestações por causa do coronavírus, Bolsonaro citou o risco de contágio em ambientes com muitas pessoas. Adversário político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), criticou o estímulo e a participação do presidente nos atos. Para o tucano, Bolsonaro foi "inadequado no ato e impróprio na atitude". Ao se aproximar de manifestantes no Planalto, Bolsonaro também contrariou orientação da equipe médica da presidência. Ele havia sido aconselhado a evitar locais com aglomeração. Bolsonaro realizou o teste do coronavírus após saber que o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, foi contaminado pelo Covid-19. O resultado deu negativo para o presidente, mas a expectativa é que ele faça dois novos exames, seguindo parte do protocolo da Operação Regresso (que trouxe 34 brasileiros que estavam em Wuhan, na China). Esse é o período de incubação do vírus. Ao longo dos últimos dias, o Ministério da Saúde deu recomendações diferentes sobre aglomerações durante a crise sanitária. Em um primeiro momento, a pasta disse que era preciso evitar eventos em locais fechados, mas que não havia orientação semelhante para atos em espaço aberto. Na sexta-feira (13/3), o ministério sugeriu que estados avaliassem junto com organizadores a possibilidade de adiar ou cancelar eventos de massa. No sábado (14), acrescentaram que essa recomendação só vale para áreas com transmissão local do vírus —o que não é o caso de Brasília. Há no Distrito Federal oito casos confirmados do Covid-19, além de 81 suspeitos. Para o Brasil, os números são 176 e 1.915, respectivamente. Neste domingo, quando Bolsonaro começou a cumprimentar seguidores do alto da rampa do Planalto, havia poucos apoiadores no local. Pessoas que estavam já deixando o ato na Esplanada dos Ministério, no entanto, se dirigiram ao palácio com a notícia da presença do mandatário. Além de palavras de ordem defendendo o governo Bolsonaro, os presentes atacaram o Congresso e o STF. Foi possível ouvir xingamentos contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pedidos de intervenção militar e o grito "foda-se" —numa referência a um áudio do ministro Augusto Heleno (Segurança Institucional), que acusou o Congresso de chantagear o Planalto. Mesmo sem transmissão local do coronavírus, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), tomou medidas de contenção, como a suspensão temporária de aulas e o fechamento de teatros e cinemas. Ele também proibiu eventos de qualquer natureza com público superior a 100 pessoas, desde que necessitem de licença do poder público. Apesar da orientação do governo distrital, policiais militares que faziam a segurança do público em frente ao Planalto e um carro de bombeiros ligaram suas sirenes e manifestaram apoio a Bolsonaro enquanto ele cumprimentava seus simpatizantes. Entre as pessoas que estavam acompanhando Bolsonaro no Planalto, estava Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Questionada, a assessoria da agência disse que ele foi convidado por Bolsonaro "para uma conversa informal" no palácio. ​ Em vídeos gravado diante dos manifestantes, o presidente disse que a manifestação não era "contra Poder nenhum" e cobrou união entre os presidentes dos Poderes."É o que digo: tem quatro pessoas no Brasil, chefe de Poderes, que, havendo entendimento, entre nós e o povo, não é entre nós, é entre nós e o povo, o Brasil deslancha. Quero ter o prazer de um dia estar com todos os chefes de Poderes juntos e o povo aplaudindo a gente", afirmou. Ele também criticou a imprensa durante a transmissão. "Não tem preço o que este povo está fazendo aqui no dia de hoje, apesar de eu ter sugerido -não posso mandar, a manifestação não é minha— o adiamento dado a este vírus, que, se eu falar que está superdimensionado, vai dar manchete neste lixo chamado Folha de S.Paulo, entre outros jornais que ficam esperando uma palavra errada, no entendimento deles, ser o suficiente para atacar o governo. Não estão atacando o governo, estão atacando o Brasil." Na semana passada, o presidente chegou a pedir para que as manifestações fossem adiadas, mas apoiadores seguiram insistido em promover os protestos e iniciaram um movimento nas redes sociais: #DesculpeJair, Mas EuVou. Em live nas redes sociais e em pronunciamento nesta quinta (12), Bolsonaro pediu a seus apoiadores que não comparecessem às manifestações de rua. Segundo ele, "uma das ideias é adiar, suspender". "Daqui a um mês, dois meses, se faz. Foi dado um tremendo recado ao Parlamento", disse. Ele próprio, na manhã deste domingo, passou a incentivar as manifestações em suas redes sociais ao postar imagens de atos a favor do governo que ocorriam em diferentes pontos do país. Apesar de terem divulgado o adiamento das manifestações, os movimentos organizadores afirmavam não ter controle sobre as ruas e alegavam que fizeram sua parte. Desde o recuo, na noite de quinta (12), os grupos de direita estavam sendo atacados e chamados de covardes nas redes sociais. Em São Paulo, o tom da manifestação na avenida Paulista foi de protesto contra o Congresso e o Judiciário. Cartazes pediam intervenção militar e AI-5. Do caminhão de som, o grito "intervenção" foi puxado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o presidente do STF, Dias Toffoli, e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foram alvos. Houve gritos pedindo a prisão deles. O coronavírus foi chamado de "mentira" por líderes que discursaram no caminhão de som. Eles insinuavam que a doença foi usada como desculpa por Doria e pelas autoridades para cancelar a manifestação e questionaram por que o Carnaval não foi cancelado - no Carnaval a pandemia não estava declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Os manifestantes ocuparam cerca de um quarteirão da Paulista. Em meio à crise do coronavírus, o ato menor do que os vistos no ano passado. Ao final, houve um tiro durante uma briga e uma pessoa ficou ferida. Em Brasília, apoiadores do presidente se concentraram em frente ao Museu Nacional, na Esplanada dos Ministérios, e seguiram em carreata em direção à Praça dos Três Poderes. A maioria acompanhou um trio elétrico. “Estou vendo que tem mais gente de carro do que a pé. Quem puder deixar o carro em algum lugar e seguir com a gente a pé, a gente agradece”, pediu o locutor do evento, às 10h30 minutos.  Muitos usavam máscaras, não raro customizadas em verde e amarelo. Os manifestantes ocuparam as seis faixas da Esplanada no sentido do Congresso. Carregavam faixas com dizeres contra congressistas e ministros do Supremo. “Contra os vírus do STF e do Congresso, álcool e fogo. Fodam-se!”, dizia uma das maiores faixas. “Celso de Mello, cale-se! Ninguém votou em você”, afirmava outra mensagem. Num caminhão de som menor, estacionado em frente ao Legislativo, o letreiro formava um “Fora, Maia”. Alguns cartazes faziam referência ao pedido do presidente Jair Bolsonaro, que, em pronunciamento, propôs aos apoiadores que não fossem às ruas. “Desculpe-nos, Jair, mas viemos”, resumia um cartaz. Os manifestantes reclamavam de supostas iniciativas para minar o poder do presidente. “Vamos dizer não ao parlamentarismo branco!”, disse uma mulher do alto do trio. Os organizadores também manifestaram ceticismo sobre os riscos da pandemia que tem mobilizado autoridades de saúde de vários países. “Esse coronavírus não vai pegar. Vamos nos alimentar bem!”, discursou uma mulher. No Rio, milhares de manifestantes se reuniram na praia de Copacabana. Alguns dos manifestantes, em sua maioria vestindo camisetas verde ou amarelas, usavam máscaras simples brancas, e outros pintaram as suas com as cores da bandeira. Haviam também aqueles com uma máscara da Aliança pelo Brasil, com o número 38 e o símbolo do novo partido. Muitos usavam uma espécie de bandeirola triangular junto ao rosto feita de TNT em que se lia "canalha vírus congresso nacional". O item estava sendo vendido em banquinhas improvisadas por R$ 5. Também por R$ 5 eram vendidas canecas com cordões para o pescoço com os dizerem "eu sou patriota, eu sou Bolsonaro". Dos carros de som emanavam falas contra o Congresso e em defesa do ministro Sergio Moro (Justiça) e do presidente Bolsonaro. Gritos eram puxados com frases como "deixa o homem trabalhar" e "Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil". Faixas e cartazes traziam palavrões como "foda-se", pedidos pelo voto impresso e "Maia na cadeia". O governador Wilson Witzel, que havia publicado decreto na sexta proibindo aglomerações no estado do Rio de Janeiro, foi um dos alvos dos manifestantes. Diante de um dos carros de som, pessoas pisaram sobre uma bandeira da campanha à eleição de Witzel enquanto, ao microfone, gritava-se expressões como traidor, vagabundo e careca safado. O protesto estava previsto desde o fim de janeiro, mas mudou de pauta e foi insuflado após o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, ter chamado o Congresso de chantagista na disputa entre Executivo e Legislativo pelo controle do orçamento deste ano. Na última quarta-feira (11/3), a Comissão Mista de Orçamento aprovou dois projetos de lei enviados pelo governo que repartem com o Congresso cerca de R$ 15 bilhões dos R$ 30,8 bilhões. Os dois textos, agora, vão a plenário do Congresso, e a discussão continua. Durante o Carnaval, Bolsonaro compartilhou em um grupo de aliados um vídeo que convocava a população a ir às ruas para defendê-lo. Na semana seguinte, em discurso, chamou a população a participar do ato, o que mais uma vez irritou as cúpulas do Congresso e do Supremo. Além de apoiar o presidente, os organizadores da manifestação sempre carregaram bandeiras contra o Legislativo e o Judiciário e a favor das Forças Armadas. Nas redes sociais, usuários compartilharam convocações com mensagens autoritárias, pedindo, por exemplo, intervenção militar. Em viagem aos Estados Unidos, no início da semana, o presidente chegou a dizer que os presidentes da Câmara e do Senado poderiam colocar "um ponto final" nas manifestações se abrissem mão do controle de parte do Orçamento. Nesta quinta, em declaração para esfriar os ânimos, Bolsonaro afirmou que "ninguém pode atacar o Parlamento, o Executivo e o Judiciário". "Tem pessoas que não estão de acordo com a crise e acha que tem que acontecer, tudo bem. Mas as instituições, em si, têm que ser preservadas". Ao longos das duas últimas semanas, na tentativa de retomar apoio nas redes sociais, o presidente tentou criar novas polêmicas. Ele criticou a Rede Globo por reportagem do Fantástico sobre presidiárias transsexuais e colocou em dúvida o sistema eleitoral brasileiro.

Fonte: Folhapress