Brasília (DF) - Ao longo do dia, foram muitos os sinais de que Bolsonaro e família sentiram o tranco da ação policial determinada pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news. Em suas redes sociais, o presidente afirmou que “algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia”. Bolsonaro atirou no que viu e acertou no que não viu, como diria Elio Gaspari. A democracia, é bem verdade, está irreconhecível, mas a caixa de pandora foi aberta há muito tempo e os bichos que saíram de dentro já não assustam como antes. Eles levam armas para acampamentos em Brasília, falam em armar a população contra agentes municipais e estaduais, loteiam e distribuem cargos conforme a proximidade familiar, nomeiam procuradores fora da lista tríplice, anunciam (e depois recuam) que não haverá diálogo com ninguém, calam-se diante de mensaleiros neoaliados que posam armados e prometem guerra com quem não se dobrar, atacam, agridem e intimidam jornalistas e ameaçam abertamente a autonomia de organizações e a independência dos Poderes. O caldo está armado, mas só agora Bolsonaro decidiu vir a público manifestar sua preocupação em “ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos, por exercerem seu direito à liberdade de expressão”. A liberdade de expressão, aqui, é licença poética: o que a polícia investiga, por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, é uma série de ameaças aos integrantes da Corte e o financiamento de notícias falsas divulgadas desde a eleição de 2018. Um dos alvos da PF é uma militante que promete "infernizar a vida" de um ministro do Supremo, "descobrir os lugares" que ele frequenta, quem são seus empregados. “Juro por Deus, essa era a minha vontade, trocar soco com esse filha da puta desse arrombado. Infelizmente, eu não posso. Mas eu queria", anunciou a democrata. No dia em que esse grupo foi emparedado, partiu do núcleo bolsonarista a palavra “ruptura” do sistema com o qual o presidente agora demonstra preocupação. Em entrevista ao canal Terça Livre, coincidentemente um dos alvos da PF no inquérito das fake news, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) citou a necessidade da adoção de uma “medida enérgica” por parte do pai e disse que o “momento de ruptura” é questão de tempo, não uma possibilidade mediada pelo “se”. O filho 03 já havia falado coisa parecida ao propor que alguém, em algum momento, precisaria tirar da cartola um dispositivo do tipo AI-5, que cassou mandatos e prendeu opositores na ditadura, para lidar com distúrbios sociais que ameaçavam pipocar aqui e ali como pipocavam no Chile. Passou o tempo e o que se viu, desde então, foram apoiadores do seu pai tomarem as ruas posando de delinquentes e exigindo ilegalidades, como o fechamento do Congresso e do STF. O deputado disse assistir a “uma iniciativa atrás da outra para esgarçar essa relação” e apostou: “quando chegar ao ponto em que o presidente não tiver mais saída e for necessária uma medida enérgica, ele é que será taxado como ditador”. O que o deputado queria? Que alguém que manda jornalista calar a boca, que pressiona empresas a deixarem de anunciar em quem discorda dele, que se omite diante das agressões em seu quintal, que promete armar a população para enfrentar opositores, que ameaça interferir no comando da PF se ela apurar suspeitas contra seus amigos e que desdenha as mortes na pandemia do coronavírus fosse chamado de democrata? Como acontece toda vez que um filho do presidente fala bobagem, os leitores podem sentar e esperar os adultos da sala virem a público para desautorizar ou minimizar o prognóstico. Da última vez, coube ao vice-presidente, Hamilton Mourão, lembrar que ele é um deputado e a repercussão de tudo o que fala só acontece por causa do sobrenome. “Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não era problema nenhum. Ele não representa o governo. Não é a opinião do governo”, garantiu o general. Paulo Marinho, empresário que cedeu sua mansão do Rio para a campanha de Bolsonaro em 2018, discorda. Para ele, quem governa o país é a família, não o pai. Eduardo pode ter razão em apontar que a ruptura está próxima. Os sinais já não estão na rachadura, mas no dinossauro faminto postado na sala a quem já damos bom dia, em vez de perguntar como foi parar ali. O que chama a atenção é o esforço para mostrar que estão do lado do povo (33% de aprovação), da democracia (“parte logo para a ditadura”) e da liberdade (“eu sou a favor da tortura”). A cada dia que passa os Bolsonaro atualizam a máxima atribuída a Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”. Já são 25,6 mil mortos na pandemia do coronavírus.
Fontes: Yahoo Notícias / www.poptvnews.com.br