Chapada dos Veadeiros (GO) - A Polícia Civil indiciou dois advogados por tentar enganar um idoso de 79 anos, que é semianalfabeto, por meio de procurações, para ficar com parte de uma fazenda avaliada em R$ 100 milhões na Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso de Goiás. A investigação começou após um juiz desconfiar da postura da dupla em um processo de reintegração de posse que já dura 18 anos. Além dos advogados, há um terceiro investigado, que é veterinário e atuava com a dupla. Ele também foi indiciado. Os nomes deles não foram divulgados. Por isso, o G1 não conseguiu localizá-los para pedir um posicionamento sobre o caso. O trio foi indiciado por associação criminosa, falsidade ideológica (por duas vezes) e estelionato contra Ciriaco Francisco dos Santos, de 79 anos. A família do idoso informou ao G1 que deve se posiconar sobre o caso na próxima semana. A delegada responsável pela investigação, Bárbara Buttini, apurou que, além de Ciriaco, outro idoso também pode ter sido vítima do trio anteriormente, mas como não era o intuito desta investigação, ela não pode os indiciar por isso. Segundo ela, essa primeira pessoa prejudicada tinha 77 anos e faleceu meses depois de assinar alguns documentos para os investigados. Ambos os casos envolvem terras na Chapada dos Veadeiros. “É uma associação criminosa formada por dois advogados e um indivíduo. É a segunda vez que eles aplicam golpes em idosos [...]. Faziam as vítimas assinarem procurações em cartórios de diferentes estados, procurações ideologicamente falsas, passando as terras para eles, que entravam na Justiça querendo a terra, e a vítima sem saber de nada”, resumiu.
Primeiro caso
Para entender o caso, é necessário voltar alguns anos no tempo. Segundo as investigações, o trio começou, em 2014, tentando enganar um idoso de 77 anos para conseguir a Fazenda Água Clara, em São João D’Aliança. Consta no inquérito da Polícia Civil que os advogados abordaram essa primeira vítima e a fizeram assinar uma confissão de dívida de R$ 3,6 milhões ao veterinário, sem esclarecimento nos documentos do que se tratava a dívida. As investigações apontaram que, dois dias depois, essa vítima assinou um documento entregando a Fazenda Água Clara como pagamento e uma procuração a um dos advogados – dois documentos assinados em cartórios de cidades a mais de oito horas de viagem uma da outra, o que faz com a delegada desconfiasse da veracidade dos documentos. Dois meses depois disso, a vítima morreu. Em 2017, três anos após a morte do idoso de 77 anos, os advogados fizeram uma ratificação da escritura que indicava a doação da fazenda para o veterinário. Como o idoso já havia morrido há anos, a delegada também desconfia da autenticidade deste documento.
Segundo caso
No mesmo ano, os advogados procuraram Ciriaco e sua família dizendo que haviam comprado a Fazenda Água Clara e que precisavam delimitar a área. Na ocasião, de acordo com a delegada, descobriram que a propriedade mencionada estava dentro das terras disputadas desde 2003 entre Ciriaco e outra pessoa, que já morreu, mas o processo continua. Em 2003, Ciriaco entrou com uma ação pedindo a reintegração de posse de uma área, segundo a delegada, avaliada em R$ 30 milhões e que faz parte da Fazenda Buriti, que tem um valor estimado de R$ 100 milhões. Há uma decisão em favor da família da outra parte envolvida, dada em fevereiro de 2020, que não reconhece as terras como de Ciriaco, e outra, de novembro do mesmo ano, que determinou a reintegração de posse a Ciriaco. Cabe recurso da decisão. No entanto, a Polícia Civil descobriu que, em meio a esse processo, os advogados indiciados abordaram Ciriaco e o fizeram assinar uma procuração dando poderes a um deles para atuar no processo. Segundo a delegada, o idoso foi enganado e pensava que estava ajudando o então advogado que o representava no processo. A procuração foi revogada cinco dias depois. Outras partes se envolveram reivindicando as terras para si, se apresentando como compradoras da fazenda em disputa. Segundo a delegada, foram casos articulados pelos indiciados para tumultuar o processo. Buttini apurou ainda que um dos advogados indiciado conseguiu enganar Ciriaco novamente com outra procuração, sem o idoso saber que estava retirando o advogado que de fato o representava do processo. “Eles estavam tentando se infiltrar no processo. Se conseguissem extinguir o processo, conseguiriam aquela área pleiteada que não conseguiram no processo de 2014 [referente à primeira vítima]. Estavam negociando sem anuência do Ciriaco, porque ele nunca quis negociar a terra, só queria a terra de volta”, explicou. A defesa da família que briga com Ciriaco por parte das terras da Fazenda Buriti, notando as várias manobras jurídicas incomuns no processo, alertou o juiz do caso que Ciriaco poderia estar sendo vítima de algum golpe. O magistrado, então, desconfiou da situação e acionou o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) para que pedisse uma investigação. Por meio de nota, o MP explicou que “não é parte no processo que tramita na comarca de Alto Paraíso, que se encontra em fase de execução, pelo fato de a ação ser de natureza privada e não pública”. “No intuito de apurar possível violação aos direitos dos idosos, a promotora de Justiça Úrsula Catarina Fernandes da Silva Pinto determinou o registro dos documentos recebidos como notícia de fato criminal e sua remessa imediata à delegacia de polícia, para investigações”, informa o MP. Assim, a delegada Bárbara Buttini assumiu a investigação. Se os advogados e o veterinário indiciados forem condenados, eles podem ficar preso por até 23 anos. Segundo a delegada, a prisão dos indiciados não foi pedida com intuito de acelerar a resolução do processo de disputa de terras que já se estende por quase 20 anos.