Logo após as eleições de 2014, cerca de 30 advogados formaram um grupo de WhatsApp cujo objetivo inicial era "retomar o protagonismo" das defesas jurídicas, que consideravam estar em segundo plano no Brasil. Naquela época, a Lava Jato estava em trajetória ascendente, e muitos desses advogados atuavam em grandes bancas e tinham clientes envolvidos na operação. Ferrenhos críticos dos métodos dos investigadores e do então juiz Sergio Moro, decidiram que tinham que competir contra eles pelo espaço na opinião pública. O grupo tem crescido desde então e inclui professores, pareceristas e ex-membros do Ministério Público. Agora, com a Lava Jato desmontada e objeto de derrotas após revisões de decisões em tribunais superiores, como na anulação de condenações do ex-presidente Lula (PT), seus integrantes avaliam que a meta original foi atingida. "Com toda a franqueza e humildade, nós achamos que vencemos a disputa narrativa", diz Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo, chamado "Prerrogativas" --o nome é inspirado nas garantias legais que asseguram o direito de defesa. Ele afirma que, no WhatsApp, o grupo atualmente tem o número máximo de membros que o aplicativo permite (256) e uma fila de espera de outras 400 pessoas. Tanto que se desmembrou em um site, em outros grupos sobre temas mais específicos --que vão de um para memes a outro para orações pelo filho de um colega que foi internado--, em eventos, em perfis nas redes sociais, em dois livros e, depois da pandemia, em uma série de encontros virtuais tanto abertos ao público quanto fechados. Nesses encontros virtuais já participaram 10 dos 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), à exceção de Kassio Nunes, membro mais recente da corte e indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Também já estiveram nas reuniões ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça), presidentes da Câmara e do Senado e o procurador-geral da República, Augusto Aras. Aras usou o Prerrogativas, em uma live pública em julho de 2020, para atacar a operação e outros integrantes do Ministério Público Federal, o que gerou incômodo entre procuradores e na própria PGR --era o auge da guerra entre ele e as forças-tarefas. Subprocuradores-gerais da República assinaram uma carta aberta criticando as declarações do procurador-geral. Nos encontros com os ministros do Supremo, os advogados trocam impressões sobre trabalhos, fazem perguntas e derramam elogios à atuação deles. São exibidos vídeos de outros defensores e personalidades públicas com saudações ao convidado da vez. As lives do Prerrogativas são retransmitidas por sites da esquerda. Marco Aurélio, coordenador, é abertamente ligado ao PT e em algumas transmissões até exibe bonecos de Lula em sua estante, mas afirma que, apesar de "99% do grupo ser de progressistas", há pessoas de diversos matizes políticos no grupo, inclusive ligados a partidos da direita liberal, como o Novo. Além disso, entre os colaboradores do Prerrogativas há quem defenda ou tenha defendido em ações ou investigações penais pessoas como os tucanos José Serra (Flávia Rahal) e Aécio Neves (Alberto Toron), o ex-presidente emedebista Michel Temer (Antonio Cláudio Mariz de Oliveira), o ex-ministro Moreira Franco (Fábio Tofic Simantob) e o ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles (Fernando Augusto Fernandes). Fora desses encontros, os advogados atuam para mudanças legislativas em questões relativas ao direito, como o novo Código de Processo Penal. Parte das mudanças no código é atacada por associações que representam integrantes dos Ministérios Públicos Federal e dos estados. Membros do Prerrô, como o grupo Prerrogativas é chamado entre eles, consideram-se decisivos na iniciativa do STF de revisar a possibilidade de prisão após trânsito em julgado na segunda instância, por exemplo. Chamam de "ação da presunção de inocência". Também afirmam que foram decisivos nas mudanças do pacote anticrime aprovado no Congresso, sugerido inicialmente com outro formato por Sergio Moro, ainda quando ele era ministro da Justiça. Embora Bolsonaro seja destaque negativo nas lives do Prerrogativas, Moro é também apontado sempre como corresponsável pelos problemas do governo, por, na visão dos integrantes, ter permitido a eleição do presidente. Em 2017, o grupo tentou criar um instituto, mas acabou recuando após críticas de membros da OAB e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), que afirmaram que já atuam em defesa das prerrogativas. Hoje, o grupo trabalha de forma complementar às entidades e tem membros da chefia de ambas em sua composição. Um dos membros que participam mais ativamente do grupo é o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Ele mesmo contabiliza ter defendido 40 pessoas na Lava Jato e afirma ter em seu currículo atuação em casos de quatro ex-presidentes, de 90 governadores e ex-governadores e de senadores. Por isso, fala que costuma fazer interlocução com o Congresso para as reuniões do grupo. Convidou para encontros virtuais, ele exemplifica, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Pediu ainda para o ex-presidente José Sarney (MDB) gravar perguntas aos convidados. "O Prerrogativas hoje é uma instituição dentro da sociedade. Essa semana fizemos audiência com o ministro [do STF Edson] Fachin para tratar da ADPF das favelas. Não é uma coisa que estamos especificamente advogando, mas nos sensibiliza", diz. A ação, ajuizada pelo PSB, impõe restrições à possibilidade de violência policial em favelas. Kakay e os outros integrantes do Prerrogativas afirmam que, apesar de advogarem em ações nos tribunais superiores, não veem conflitos ao chamarem os ministros para participarem desses encontros.
"É uma oportunidade de as pessoas terem acesso à opinião desses ministros, senadores, de pessoas que representam o poder, através de um grupo que, sem falsa modéstia, tem credibilidade para fazer a discussão institucional", afirma Kakay, acrescentando que são conversas abertas.
"[Temos] essa credibilidade que o diálogo ali é de respeito e de fortalecimento das instituições. De quem vive no mundo do direito, acredita no mundo do direito e não quer ver os retrocessos que a gente está enfrentando em termos de garantias individuais e democráticas", diz a advogada Dora Cavalcanti, que defendeu o empresário Marcelo Odebrecht no início da Lava Jato. O desejo do grupo agora é tentar colocar em suas lives os rivais: querem chamar o ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol, que também promove transmissões na internet, ou o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima.