As investigações da Operação Última Milha apontam que o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem (PL), sabia do esquema ilegal de espionagem de autoridades por meio do órgão durante o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ). As informações são do jornal O Estado de São Paulo . A Polícia Federal (PF) deflagrou mais uma etapa da operação na última semana e Ramagem não estava entre os alvos. No entanto, as suspeitas se voltaram contra ele após os agentes encontrarem na posse do ex-diretor dois documentos — nomeados "Presidente" e "Presidente 2". Os arquivos foram encontrados após a Operação Vigilância Aproximada, em janeiro, da qual Ramagem foi um dos alvos de busca e apreensão. Os arquivos foram reproduzidos na representação da 4ª fase da Última Milha, em razão da "essencialidade do relevo probatório". Nos arquivos de texto há as expressões "Bom dia, Presidente" e "Boa tarde, Presidente". Cita: "família Bolsonaro"; "Flávio", em possível citação ao senador Flávio Bolsonaro; o caso Marielle; e o caso Queiroz (rachadinhas). Para a PF, os documentos endossam a suspeita de que as informações obtidas por meio da Abin paralela abasteciam o "núcleo-político" do esquema criminoso, que não só espionava autoridades como também produzia notícias falsas e angariava informações para auxiliar a defesa do clã Bolsonaro em investigações. No documento, são registradas instruções sobre o caso Queiroz: "Contestar juridicamente a imputação de peculato; desestruturar teoria de domínio do fato do Flávio como suposto mentor de esquema". Em outra passagem, também endereçada ao "presidente", é registrado: "Na tentativa de auxílio, algumas considerações sobre as imputações ao Flávio". "Não tenho acesso a autos ou estratégia de defesa. Esta é apenas uma forma de tentar ajudar com conhecimentos", diz o texto. Os documentos apontam os magistrados que ficariam responsáveis pela relatoria do caso nas instâncias superiores. "A 3ª Câmara Criminal tem que sofrer constante provocação acerca da perseguição, quebra de isonomia e impessoalidade", diz o arquivo. Para a PF, os arquivos indicam "ações clandestinas para beneficiar o núcleo-político inclusive com indicação de tentativa de direcionamento com viés político de investigações. Essa última indicação tem relação com a seguinte frase: "Fora isso, a PF tem que dar andamento aos trabalhos de desvio de fundo eleitoral do PSC, lavagem nas empresas e corrupção administrativa e policial". Ramagem nega que autoridades tenham sido monitoradas pela agência no governo Bolsonaro e chamou a operação da PF de "alvoroço".
Repasses vetados
A PF queria compartilhar as informações sobre o esquema de espionagem montado na Abin com a Corregedoria do órgão, para embasar apurações disciplinares sobre os envolvidos. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido por considerar que a medida não seria "apropriada" para o atual momento das investigações sobre a "Abin Paralela". Moraes seguiu o parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que negou a solicitação da PF por ver "aparente resistência" na Abin às investigações sobre o suposto esquema. Gonet destacou que o compartilhamento pode ocorrer ao fim da investigação, e que foram identificadas "ações das novas gestões da Abin indicativas da intenção de evitar a apuração aprofundada dos fatos". A Controladoria Geral da União, então, passou a assumir um procedimento disciplinar instaurado na Abin. Segundo a PF, há indícios de uma tentativa de embaraçar as investigações ao analisar o teor do procedimento administrativo sobre supostas condutas irregulares de dois servidores da Abin no Congresso. A PF narra "indícios de realização de contatos não institucionais e atuação fora do escopo da fração de exercício da Divisão de Relações Institucionais, havendo inclusive promessa de entrega de documentos sigilosos e envolvendo ainda parlamentares, como o senador Humberto Costa e o deputado José Guimarães, do PT". Segundo o documento, o atual chefe de gabinete do diretor-geral da Abin, Luiz Carlos Nóbrega Nelson, "permaneceu inerte ante o eventual conhecimento dos supostos desvios de conduta de um dos servidores no Congresso". A Corregedoria disse que ele não informou à "Coger as notícias de alguma suspeição contra a atuação dos servidores no Congresso por motivos - quiçá inconfessáveis - não sabidos, uma vez que é dever legal da autoridade reportar fatos eventualmente irregulares". Procurada, a Abin não se manifestou.